Universo Xamânico

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Xamã Variante

 

 O nosso gênero masculino e feminino é determinado por fatores biológicos, sociais, vivenciais e sexuais. Nas culturas xamânicas acredita-se também ser influenciado por fatores espirituais. A variação de gênero é um aspecto tradicional da prática xamânicas e, implicando que os xamãs podem permanecer com identidade de gênero com que nasceram ou exercer aquela que se identifiquem. Identidade sexual é, aparentemente, fluida e flexível, não uma característica inata. Sexo biológico, papéis sociais e orientação sexual não estão ligados biologicamente, embora influenciados uns pelos outros. A identidade de gênero é parte de uma gama de fatores da expressão humana. Culturas xamânicas olham para a natureza destas possíveis opções como expressões únicas do espírito humano. Biologicamente, o gênero humano é determinado pela herança genética do indivíduo, especificamente por dois cromossomos sexuais. Diferenciação sexual é o processo pelo qual o feto desenvolve as características reprodutivas masculinas ou femininas, dirigido por sua composição genética. Este é um processo de desenvolvimento complexo, com muitas variações biológicas sobre o tema do gênero.

Neste artigo propomos lidar não só com os xamãs do gênero feminino e masculino e suas relações com o outro, mas também com a curiosa mudança mística de sexo pela qual um xamã do sexo feminino transforma-se em homem e, especialmente, a que um xamã do gênero masculino transmuta sua identidade de gênero naquela reservada às mulheres. Nas culturas xamânicas tradicionais, o gênero é uma característica adquirida e que conta com um estrito papel social correspondente a ser cumprido. Nestes sistemas de crenças tribais há mais de dois gêneros e todos tem bem definidas suas tarefas, atividade e papéis tradicionais. Entre os mais de cento e trinta povos norte-americanos, o sexo biológico não determina o papel social ou gênero que um indivíduo assume. Em algumas culturas xamânicas o sexo do xamã não é importante. A relação do xamã com os espíritos poderosos e o sucesso de seu trabalho de cura é tudo o que importa. Entre os Chukchee, por exemplo, na região Kamchatka, Sibéria, os xamãs tradicionalmente identificam-se com o gênero oposto aquele biologicamente determinado. Em algumas culturas os xamãs são historicamente masculinos, em outras femininos. A adoção da identidade de gênero dos xamãs sofre limitações pelas influências, preconceitos e imposições de valores dos sistemas políticos e religiosos dominantes. Na antiga sociedade chinesa Wu (1100 a.C.) mulheres xamãs, eram proeminentes e poderosas. Hoje, apenas cerca de um quarto dos xamãs chineses são mulheres.

A influência de fatores contemporâneos sobre a identidade de gênero de xamãs não é o único padrão e devem ser considerado por região, indivíduo e cultura. Entre os coreanos, cujo xamanismo foi influenciado pelos Tungus da Sibéria, as mudang (xamã) são predominantemente do sexo feminino como eram no passado. Para os Tungus as mulheres eram valorizadas e respeitadas como xamãs. A Coréia herdou essa visão, todavia com o passar do tempo este conceito sofreu uma tal reformulação que a cultura coreana contemporânea considera mudang e mulheres indignos de respeito e valor, portanto, apenas párias tornam-se xamãs e, nestas circunstâncias as mulheres são mais propensas a fazê-lo. Fatores como papéis sociais previamente determinados em função do gênero e tradição influem decisivamente a capacidade de um indivíduo, seja qual for o seu sexo, de responder ao chamado dos espíritos para se tornar um xamã.

Os primeiros relatos e indícios da existência de xamãs variantes surgem no período Paleolítico (10.000 a.C.) particularmente entre os araucanos, chukchee, kamchadal, esquimós asiáticos, e ocasionalmente entre o povo koryak, os sea-dyak no Bornéu, os bugis das ilhas Celebes do Sul, na Indonésia, birmaneses, patagônios da América do Sul, os aleútes das Ilhas Aleutas no Pacífico Norte, arapaho, cheyenne, ute, zuni, e outros povos indígenas da América do Norte, embora não se limitando a estas culturas. Os xamãs variantes de gênero tem uma gama de poderes espirituais que vão além da polaridade masculino-feminino. Eles são uma classe especial de xamãs andróginos que podem ter funções exclusivas que variam de uma cultura para outra. Um indivíduo variante de gênero é aquele cuja expressão de gênero é uma variação da dualidade do masculino e feminino. A ideia de que existem dois gêneros fixos não é o padrão universal seja cultural, histórica ou temporalmente. Culturas que reconheceram mais de dois gêneros e a eles reservou o exercício de cargos importantes e respeitados tinham, muitas vezes, uma visão panteísta do mundo espiritual. Estes povos cultuavam panteões que abrangiam uma série de arquétipos, como o da Grande Deusa Mãe, mulheres guerreiras Amazonas, consortes masculinos das deusas e divindades de ambos os sexos que encarnavam a variação de gênero. Com estas imagens gravadas na consciência espiritual do povo, os indivíduos variantes de gênero foram percebidos como pessoas sagradas, refletindo o desconhecido, o Grande Mistério e a variedade caótica dos reinos espirituais.

Qualquer indivíduo pode ou não pode expressar a identidade de gênero imposta por seu sexo biológico, sua morfologia. Todavia, este grupo especial e difuso, de pessoas que atendem ao chamado xamânico podem variar, temporariamente ou definitivamente, sua identificação de gênero, estilo de se vestir, o papel econômico na comunidade e até mesmo sua orientação sexual. Culturas xamânicas tradicionais acreditavam que os traços que expressam gênero e suas variações eram concedidos pelos poderes divinos. Portanto, essas qualidades seriam essenciais para o indivíduo, não um comportamento culturalmente construído. Além disso, acreditavam que a perspectiva única e sabedoria que os indivíduos variantes de gênero possuíam eram essenciais para a saúde da comunidade.

Nestas culturas acredita-se que qualidades masculinas são apenas metade da humanidade comum. Entendem que qualidades femininas e masculinas complementam-se, criando algo, uma terceira qualidade que as contém e, ao mesmo tempo, as excede. Isto significa que essas culturas reconheciam o status especial dos homens que têm a capacidade de transcender os limites da masculinidade. Por causa da natureza inclusiva do feminino, as mulheres nestas culturas são capazes de participar de atividades normalmente associadas com os homens, sem sair de seu papel de gênero feminino. No entanto, para um homem não é tão fácil. Se um homem é movido pelo espírito de incorporar aspectos femininos ele tem que ir além de sua masculinidade. Variação de gênero, no xamã masculino, não é apenas aceito, mas é esperado em algumas culturas. Esses homens são os xamãs transformados, podendo também ser chamados de xamã suave, berdache ou dois espíritos.

As culturas indígenas tendem a compartilhar uma crença de que o divino é inseparável do corpo da natureza, expressa em práticas espirituais e artísticas. Eles acreditam que o comportamento variante de gênero, homossexual e a heterossexual são ambos naturais e sagrado. Percebem as pessoas variantes de gênero como especialmente capazes de executar funções espirituais, pois acreditam que manter o conhecimento de ambos os sexos e a sabedoria mística de transformação e metamorfose, é algo realmente sagrado.

Estas culturas acreditam que a variação de gênero é uma qualidade essencial do indivíduo, parte de sua medicina original e que os acompanha no nascimento. Transgêneros são na maioria das vezes homens assumindo atributos femininos. Isso talvez se deva ao fato de muitos mitos xamânicos afirmarem que a primeira xamã foi uma mulher. É possível que o Xamanismo tenha começado como uma tradição feminina, pois as mulheres têm maior facilidade para transitar entre os papéis sexuais do que os homens. O corpo de uma mulher xamã de 55 mil anos encontrado no bosque de Pavlov Hills, aponta a veracidade dessa hipótese, como sugerem os membros fálicos encontrados com outros objetos nas cavernas do paleolítico, sugerindo que as mulheres exerciam o papel sexual masculino.

Homens de culturas separadas por vastas extensões de espaço e tempo foram tocados desta forma pelo Espírito. Em geral eles compartilhavam certos traços de caráter. Comportarvam-se de maneiras entendidas como variante de gênero por suas respectivas culturas. Expressaram sua sensualidade, erotismo e sexualidade com pessoas do mesmo sexo. Alguns cumpriam um papel sagrado ou realizavam uma tarefa espiritual, muitas vezes ajudando o xamã e permanecendo nesta função auxiliar, ou transformando-se para se tornar xamã.

 

XAMÃS TRANSFORMADOS – Berdache, Dois-Espíritos, Xamã Suave

Existe uma forte tradição entre os nativos norte-americanos de travestis do sexo masculino, designados por berdaches, termo usado pelos antropólogos para se referir a um homem andrógino. Nas tradições xamânicas eles servem à comunidade como sonhadores, sábios, curandeiros e artesãos e tem funções cerimoniais especiais. O berdache é treinado para assumir e cumprir as responsabilidades profissionais tradicionalmente exercidas pelo sexo feminino. Ele adota muito do comportamento, linguagem e papéis sociais de mulheres. Utiliza geralmente um vestuário mesclado (feminino-masculino), demonstrando sua condição sagrada. Tem um papel social claramente reconhecido e um status social aceito, muitas vezes baseados em personagens berdaches anteriores e sagrados da mitologia tribal.

Quando os primeiros europeus chegaram ao Novo Mundo ficaram surpresos ao ver homens vestidos de mulheres, e se referiram a eles como “berdaches”, palavra francesa derivada do vocábulo árabe bardaj, que é uma variação do persa barah, significando “travesti”, “prostituto”, “michê”, “escravo” e em inglês o termo tem a conotação de “garoto mantido em cativeiro com propósitos não naturais”. Os estrangeiros assumiram que os nativos eram hermafroditas. No entanto, eles provaram ser, em sua maioria, anatomicamente homens. Desta forma, o uso da palavra hermafrodita como sinônimo de berdache está incorreto. Neste artigo utilizamos o termo, apesar de inadequado, para indicar o papel de gênero alternativo. A maioria das culturas nativas norte-americanas aceita a existência de mais de dois gêneros. Alguns indivíduos que são fisicamente homens têm espíritos masculinos e outros têm espíritos femininos. O mesmo é verdade para as mulheres. O berdache é um homem aceito espiritualmente como “homem-mulher”. A orientação espiritual dele varia de uma qualidade de espírito entre a de homens e mulheres para uma qualidade de espírito distinto de qualquer um dos dois. O berdache é entendido como um terceiro gênero.

Esses seres andróginos ganhavam prestígio por suas contribuições espirituais, intelectuais e artísticas para suas sociedades e por suas reputações de incansáveis trabalhadores, sendo excelentes artesãos, além de conhecidos por seus talentos na adivinhação e sonhar. O papel do berdache é geralmente distinto e complementar ao do xamã. Em algumas culturas, eles são curadores xamânicos. Nestes casos, por ter as habilidades do indivíduo se expandido para além dos limites do berdache, ele passa a ser considerado um “xamã transformado”. Normalmente o berdache e o xamã preenchem papéis complementares em rituais e cerimônias. O berdache encarna uma perspectiva única que o xamã utiliza em cerimônia e como conselheiro em problemas que afetam a comunidade.

A posição social do berdache é diferente das mulheres, embora faça o mesmo trabalho delas. Há uma distinção entre o feminino e o não-masculino. O caráter de um berdache é visto como distinto de ambos os sexos. Seria uma mistura de diversos elementos. A relação do indivíduo com o espírito substitui outros relacionamentos normalmente esperados. O berdache está expressando um espírito que é único e andrógino.

Acreditava-se que o/a berdache tem poderes sagrados decorrentes de sua natureza sexualmente andrógina, o que aumentava suas habilidades de sonhar, profetizar, e negociar. Suas atividades incluem cerimônias de bênção, distribuição dos nomes de sorte, oferecer proteção espiritual e adivinhação. O berdache executa funções específicas em rituais e cerimônias, tal como o de abençoar a árvore central da cerimônia da Dança do Sol dos nativos das planícies norte-americanas.

É ainda considerado um mediador respeitado, valorizado por suas perspectivas originais sobre temas, particularmente aqueles que surjem entre mulheres e homens. Acredita-se que eles veem as coisas de uma maneira mais clara ao exercitar uma perspectiva de um único gênero que reúne valores (poderes, características) femininas e masculinas. Esta perspectiva singular começa na infância. A criança berdache vê os conceitos básicos da vida de forma diferente dos outros e vizualiza como as coisas poderiam ser melhores do que são. É também um mediador entre o mundo físico e os reinos espirituais. Sua relação com os espíritos é um aspecto presente em todas as suas atividades. Suas excelentes habilidades em adivinhação e em sonhos proféticos são um exemplo desta permanente conexão. Muitas vezes adotam crianças órfãs e, devido a sua inteligência e compreensão acima da média, são responsáveis pela educação das crianças da tribo, ensinando-lhes a História por meio da narração de lendas e contos. Ao contrário das mulheres xamãs, a masculinidade do berdache adequa-se a tradição de todas as expedições de caça e guerra masculinas. Eles sempre viajam com os homens, nos papéis de curador e zelador. É ainda em muitas culturas, a pessoa responsável por preparar os mortos para o enterro e conduzir a cerimônia fúnebre.

A inclinação de um menino em direção a atividades femininas e se comunicar com o mundo espiritual é notada na primeira infância. O papel de berdache não pode ser imposto a ele por outros, nem ele pode querê-lo para alcançar status tribal. A maioria das culturas apresenta o menino num ritual no início da adolescência. O jovem então escolhe o papel através de suas próprias ações neste contexto ritualístico. Com base no resultado do ritual o menino é reconhecido como berdache e seu treinamento começa. Alguns relatam sentirem-se hesitantes em assumir o papel. A relutância é frequentemente um sinal da autenticidade do chamado. É comum que as pessoas resistam a aceitar as responsabilidades e encargos do exercício do sagrado. Não importa o quão claro foi o chamado para um dever espiritual, a pessoa sabe que está sendo chamada e que o caminho não será fácil.

Embora os berdaches sejam encontrados e aceitos na maioria das tribos dos Estados Unidos, do Canadá e Alaska, também é encontrada em toda a Ásia, nas ilhas do Pacífico e, em algumas tribos da África. Papéis semelhantes também foram descritos em regiões da América do Sul e Central. Em geral, berdache é um papel aceito e respeitado, no entanto há exceções. Em algumas culturas autóctones da América do Norte (Iroques, Apache, Pima e Comanche) não há respeito pelos berdaches.

A sexualidade do berdache é não masculina, e podem ser assexuados ou ter um parceiro sexual sagrado, que podem ser mulheres ou homens, ocasião em que pode desempenhar um papel tanto ativo quanto passivo. Todavia, relações entre berdaches são, até onde se sabe, proibidas. Em algumas tribos podem casar, e manter um relacionamento de longo prazo com uma esposa ou marido. Em outras podem viver sozinhos e aceitar as visitas de diferentes parceiros. Homens que o visitam não são obrigados a fazer uma escolha entre ser heterossexual ou homossexual. Por ter o berdache um papel institucionalizado, ele atende as necessidades sexuais de muitos homens sem competir com a instituição do casamento heterossexual.

Há grandes variações, tanto coletivas-tribais, quanto individuais, no papel sexual dos berdaches. É sexualmente andrógino, não homossexual. Nenhuma das generalizações contemporâneas, como transexual, homossexual, travesti, descrevem-no precisamente. Eles são meio-homem e meio-mulher, a sua essência espiritual define-os como um terceiro gênero, enquanto anatomicamente são homens. A sua sexualidade é aceita da mesma forma que a sua androginia, ambas são vistas como reflexos do seu espírito. A variação de gênero feminino foi reconhecida em várias culturas e amazona seria a expressão genericamente equivalente ao berdache.

Pelo substantivo berdache ser considerado ofensivo e por seu significado pejorativo na etimologia não americana, o berdache caiu em desuso nos anos 1990. Xamãs transformados passaram a ser chamados de “xamãs suaves”, “dois espíritos” e outros termos nos idiomas tribais. Estes xamãs devem completar os rituais, treinamento e iniciação para serem reconhecidos como xamãs em suas comunidades. “Dois Espíritos” é uma forma mais genérica e abrange homossexuais. “Dois Espíritos” do gênero masculino expressam a sua sexualidade e sensualidade com pessoas do mesmo sexo, muitas vezes realizando um casamento de longo prazo com homens tradicionalmente masculinos. Já “Dois Espíritos” do gênero feminino são mulheres que adotam o papel de caçador-guerreiro. Elas tem um papel separado e distinto de si mesmas, da mulher tradicionalmente feminina e do berdache. A “Dois Espíritos” mulher realiza trabalho tradicionalmente masculino como a caça e matança, e não tradicionais femininos como liderança espiritual e cura. Também expressam a sexualidade e amor com o mesmo sexo, muitas vezes casando com uma mulher feminina.

Abaixo segue uma lista de culturas nas quais os berdaches são aceitos e respeitados no seio da sociedade tribal. A listagem desses nomes não significa que eles exercem os mesmos papéis. Em algumas culturas o papel é o de um “xamã transformado”, em outros é o de berdache, enquanto em outros é o de um ser sagrado. A distinção nem sempre é clara, porque a informação foi suprimida devido à variação sexual mal interpretada, ou tradicionalmente não compartilhada com pessoas de outros gêneros. Para algumas dessas culturas, o nome tradicional se perdeu enquanto o papel permanece vivo nas tradições orais:

Na tribo Acoma é chamado de mujerado, Aleutas e Esquimós (shopan ou achnucek), Arapaho (haxu’xan ou whok), Chippewa (a-go-kwa), Chukchee (lu yirka-la), Chumash (joya), Cree (ayekkwew, que significa “nem homem nem mulher”), Crow (bade), Dineh (nadle, que significa “aquele que se transforma”), Havaí e Polinésia (mahu), Hidatsa (miáti), Índia (hijra), Kamchadai (kockchuch), Koryak (kavau ou keveu), Kutenai (stammiya), Lache (cusmos), Lakota (winkte), Maidu (osa’pu), Mandan (mihdacke), Mapuche (machi), Mohave (alyha ou nwame), Omaha (mexoga ou min-gu-ga), Oman (xanith), Pima (wi-kovat), Potawatomi (owkansas), Quinault (keknatsa’nxwix), Samoa (fafafini), Santee (winkta), Shoshone (tainna wa’ippe ou ma ai’pots), Tewa Pueblo (kwih-doh ou quetho), Winnebago (siange ou dedjágtowinga), Yokuts (tongochim ou tunosim), Yuki (i-wa musp), Yuma (elxa ou marica), Yurok (wergern), Zapoteca (ira’muxe), Zuni (lhamana).

Percebe-se, em inúmeras regiões, que o mundo dos transgêneros está ligado ao Xamanismo. E como todo xamã, os berdaches possuem suas credenciais de poder, as vestes dos siberianos do sexo masculino contêm geralmente símbolos femininos, e entre os Tchuktchis, do nordeste da Sibéria, alguns tornavam-se semelhantes aos seus espíritos femininos e vestiam-se como mulheres, executavam os mesmos trabalhos delas e usavam a linguagem particularmente utilizada por elas. Considera-se isso um casamento com um espírito, mas envolvendo uma identificação mais completa. Em determinada ocasiões, um xamã do sexo masculino desempenha uma função do sexo feminino sem se travestir. Do outro lado do estreito de Bering, no Alasca, o xamã inuit possui um espírito e o mantêm no seu estômago como um feto. Quando necessitam de ajuda, simulam um parto e em seguida surge um kikituk, uma efígie de madeira utilizada para curar e para lutar contra espíritos demoníacos.

Os indivíduos variantes de gênero entre os Dineh ou Navajo, do sudoeste norte-americano são chamados de nadle, “aquele que se transformou”, referindo-se à natureza andrógina ou hermafrodita desses indivíduos. Quando berdaches se tornavam xamãs, eram considerados extremamentes poderosos. Os Dineh acreditam que os nadles fazem parte da beleza natural na ordem do universo, e tem uma contribuição especial a fazer ao povo. Tradicionalmente, o nadle exerce o papel do mediador que mantém os homens e mulheres juntos numa unidade que suporta saudavelmente a educação infantil e continuidade cultural. Cerimonialmente o nadle desempenha um papel especial nas danças na noite anterior ao solstício de inverno. Xamãs navajos e nadles distinguem-se na cultura Dineh por suas relações diretas com espírito. Xamãs não são necessariamente nadles, no entanto alguns tornam-se xamãs poderosos. Os nadles são grandes curandeiros e consequentemente excelentes cantores, já que é através dos cantos ancestrais que o povo navajo é curado. Eles têm cânticos especiais para a cura de doenças, insanidade e para ajudar no parto. Na mitologia Dineh os gêmeos, Menino Turquesa e a Menina Concha Branca eram seres andróginos e foram os primeiros nadles. Com o auxílio destes gêmeos as primeiras pessoas começaram a plantar, fazer cerâmica, cestos e ferramentas de pedra e osso, melhorando a qualidade de vida dos navajos.

Os Mojaves acreditam que xamãs do sexo feminino são mais poderosos que os masculinos e os berdaches é mais do que qualquer um deles. O mesmo ocorre com algumas tribos das planícies como os Cheyennes e Lakotas. Alyha é um variante de gênero do povo Mojave do sudoeste norte-americano. O xamã e alyha tem papéis únicos e afins na cultura Mojave. A bravura Mojave é valorizada acima da maioria das outras virtudes nos homens. No entanto, a energia obtida em um sonho é ainda mais valorizada. Assim o alyha, embora conhecido como uma pessoa pacífica, é respeitado por homens e mulheres por causa dos poderes especiais que recebeu dos espíritos em seus sonhos.

Entre os Mojaves todas as crianças entre as idades de nove a doze são iniciadas em funções relativas ao seu sexo. Neste momento os familiares de um menino que tem manifestado um comportamento considerado estranho para o papel masculino irão discutir suas tendências e potencial como alyha. Em segredo, os parentes se preparam para um ritual de iniciação que se destina a levar o menino de surpresa e testar suas verdadeiras inclinações. O ritual de passagem é um evento público. Sem conhecimento do propósito o menino é levado para um círculo de tribos e convidados. Sua disposição para ficar no círculo, exposto, indica sua disposição de passar pelo ritual. A cantora, posicionada fora da vista do menino, começa a cantar uma série de quatro canções específicas. Se o menino não dançar, então ele não está inclinado a se tornar um alyha e será iniciado como os outros meninos. No entanto, se o seu espírito é alyha a música vai direto ao seu coração e ele não será capaz de parar de dançar. À medida que a música progride a intensidade da dança do menino aumenta. Após a quarta dança seu papel de alyha está confirmado. Na conclusão do ritual o novo alyha é banhado, e o trajam com um vestido feminino tradicional de alyha. Em seguida, ele retorna ao local em que esteve dançando e recebe, publicamente, o seu novo nome feminino. Seu nome masculino nunca mais será usado.

Elxá é o nome do xamã berdache entre os Yumas, um povo da região sudoeste da América do Norte. Eles acreditam que ele é uma pessoa com uma capacidade aguda para sonhar e tem o potencial de transformar sua mente. No caso do elxá, a mudança começa com os sonhos de transformação no momento da puberdade. Acredita-se que, com o tempo, o menino transforma sua mente masculina em feminina, por meio de seus sonhos. A transformação em elxá é confirmada em uma reunião comunal de comemoração em que o berdache prepara uma refeição para amigos e familiares.

Para o povo Lakota os berdaches são especialistas em curar doenças mentais e físicas e, frequentemente, são encarregados de preparar os mortos e realizar os ritos funerários. A iniciação ocorre quando, ainda jovem, durante uma busca da visão a Mulher Búfalo Branco lhe apresenta as ferramentas do gênero feminino, e determina que a partir daquele momento ele se comporte como mulher e case com homens. Os jovens que aceitam estes instrumentos passam a exercer o papel do winkte (aquele que se tornou mulher). O Espírito da Lua também aparece nas visões indicando que o menino irá se tornar um winkte e a partir daí ele será instruído diretamente pela Lua. Uma de suas principais responsabilidades era a de dar nomes às crianças. Os winktes por um lado eram muito respeitados, e por outro desdenhados. Não eram repudiados dentro da tribo, mas temidos. Quando não estavam presentes eram motivos de piadas, tais como fazemos atualmente em nossa sociedade. Sem dúvida despertavam em sua comunidade certa ambivalência, mescla de temor e respeito, de admiração e desdém, de inveja e menosprezo. Os transgêneros Lakotas só completam a sua transformação sagrada por meio das relações sexuais e casamento com homens considerados heterossexuais, tudo com a aprovação da aldeia.

Os winktes são considerados seres sagrados, e não podem se unir/casar entre si, muito menos permanecer solteiro. Alguns casam com homens e outros com mulheres, tem filhos, e mesmo assim exercem o papel winkte. Em sua maioria, consideram inadequado praticar sexo com uma mulher ou outro berdache. O winkte deve definir o seu próprio caminho, como todos os outros Lakotas, e seres de Wakan Tanka. A maioria deles recebem dos espíritos canções de cura poderosa que auxiliam no parto. O o winkte forma um terceiro grupo, diferente de homens ou mulheres. A sua existência é sagrada, uma criação de Wakan Tanka como tudo mais. Para o Lakota uma pessoa é o que a natureza ou seus sonhos fazem dela. Tradicionalmente, as pessoas são aceitas pelo o que elas são, o que são guiados para ser, e encorajados a desenvolver e compartilhar sua medicina original. Pela sua natureza singular – duas almas e um só corpo, o masculino-feminino, ao wintke é dado a honra de subir no Mastro da Dança do Sol e colocar a Sacola da Dança antes do início desta cerimônia sagrada.

O papel do berdache não existe apenas na América do Norte, no entanto a sua manifestação e aceitação é generalizada nesta região. As mulheres indígenas tinham status elevado como líderes e xamãs, e não havia nenhuma vergonha ter um macho em um papel e com características femininas. Um homem não estava desistindo do privilégio masculino, e sim demostrando a sua capacidade de transcender os limites da masculinidade. A capacidade de dominar os reinos do masculino e do feminino melhora substancialmente o seu status. Mais importante ainda, a “escolha” para se tornar um berdache é feita pelo Espírito. É um reconhecimento e expressão da verdadeira natureza da alma do indivíduo.

No Havaí o mahu é um indivíduo variante de gênero que realiza cerimônias e rituais tradicionais havaianos, semelhante ao berdache norte-americano. Um candidato tem que ter sucesso na formação e iniciação para ser reconhecido como um mahu. São andróginos em caráter e realizam tarefas tanto de homens como de mulheres, e vestem-se com uma mistura de traje masculino e feminino. Mahu são parceiros sexuais passivos de homens tradicionalmente masculinos. No entanto, devido ao seu papel espiritual na cultura, são considerados diferentes dos homens homoafetivos. Na Sibéria os Iacutos acreditam que xamãs transgêneros podem dar à luz após tais uniões.

Em Bornéu, os Ibans oferecem o maior posto de xamã para “aquele que se transformou”, manag bali, um homem que se veste e vive como mulher. Já os mudangs, da Coréia, se transformam somente durante os seus rituais trocando de roupas várias vezes para representar o espírito que incorpora. As mulheres geralmente vestem roupas masculinas por baixo e os homens roupas femininas para que as mudanças sejam rápidas.

Quase todos os autores sobre Xamanismo siberiano concordam que a posição da mulher xamã é, por vezes, ainda mais importante do que a ocupada pelos homens. O dom xamânico entre os Kamchadal são quase que exclusivamente das mulheres; na região Kamchatka há homens-xamãs entre os Yukaghir, Koryak e Chukchee. Já entre os Samoiedas de Turukhan mulheres-xamãs trabalham lado a lado com homens-xamãs. Entre os Tungus de Baikal a mulher pode ser um xamã, assim como o homem. Entre os Iacutos e Buriatas há xamãs de ambos os sexos. Entre os Iacutos os xamãs femininos são consideradas menos importantes do que o masculino, e as pessoas pedem sua ajuda apenas quando não há um homem-xamã na comunidade.

Entre os paleo-siberianos as mulheres recebem o dom de xamanizar mais frequentemente do que os homens. A mulher é por natureza xamã. Ela não precisa ser especialmente preparada para a vocação e por isso o seu noviciado é muito mais curto.

“Os órgãos sexuais desempenham um papel em certas cerimônias xamânicas, diz Bogoras (1904) na sua obra sobre os Chukchee. O variante de gênero é chamado de “homem suave” (yirka-laul), significando um homem transformado em um ser do sexo feminino. Um homem que “mudou de sexo” é também chamado de “semelhante a uma mulher” (ne uchica), e uma mulher na mesma condição como “semelhante a um homem” (cikcheca qa). Porém estas últimas transformações são muito mais raras.

Em casos raros, o ‘homem suave’ começa a sentir-se uma mulher, procura por um amante, e às vezes chega a se casar com este. O casamento é realizado de acordo com os ritos habituais, e a união é tão durável quanto qualquer outra. O “homem” vai a caça e a pesca, a “mulher” faz o trabalho (doméstico). A “mulher”, no entanto, não muda o nome dela, apesar do marido às vezes adicionar o nome dela ao seu. A opinião pública é sempre contra eles, mas, como os xamãs transformados são muito perigosos, não há oposição efetiva. Cada “homem suave” tem um protetor especial entre os “espíritos”, que normalmente faz o papel de um marido sobrenatural, o kele (marido ou esposa do transformado). Este suposto marido é o verdadeiro chefe da família e comunica suas mensagens por meio de sua esposa “transformada”. O marido humano tem que executar essas ordens fielmente sob o medo do castigo imediato. Bogoras em sua pesquisa descobriu que os xamãs transformados geralmente escolhem um marido entre as suas relações mais próximas, tais como primos ou irmãos.

Em sua estada com os Chukchee, ele nunca conheceu uma mulher transformada em um homem, mas ouviu falar de vários casos. No início do século XX, havia ainda histórias contadas por anciãos koe’kcuc, que os xamãs transformados dos Chukchee conseguiram uma verdadeira transformação física com a ajuda de seu kele, espíritos aliado. O koe’kcuc acreditava encarnar seu kele que então o auxiliava a transformar sua genitália masculina para feminina.

Ao ler a descrição detalhada dos xamãs transformados por Bogoras e Jochelson (1905), percebemos que em quase todos os casos, estes xamãs desenvolvem-se ordinariamente, no mesmo ritmo e etapas dos demais integrantes da tribo, atendendo aos papéis tradicionalmente adequados ao seu gênero e, apenas após a inspiração dos espíritos, transmutam. Embora a união com homens seja o mais comum, alguns mantém, secretamente, relações heterossexuais, mesmo estando casados, e embora muito raro – ou parcamente relatado, alguns tornam-se celibatários.

Os direitos especiais concedidos pela comunidade ao xamã são claramente evidentes na posição excepcional que este ocupa. Xamãs (masculinos e femininos) podem fazer o que não é permitido para os outros, porque tem um poder sobrenatural reconhecido pela comunidade.

Observando algumas das características atribuídas a xamãs, vemos que, “inspirado pelos espíritos”, eles podem cortar-se sem que seu corpo sofra danos. Podem, durante as apresentações xamânicas, subir ao céu em conjunto com o seu tambor e animal sacrificial. Podem também dar à luz a uma criança, um pássaro, um sapo, etc. E com a mesma naturalidade, usar seus poderes sobrenaturais e mudar seu gênero, trilhando assim sua verdadeira vocação.

 

ESTÁGIOS DE TRANSFORMAÇÃO

Pode-se a grosso modo, estabelecer cinco fases gerais de transformação, algumas mais pronunciadas que outras, dependendo da cultura xamânica. São elas:

 

1ª) Chamado espiritual

Geralmente ocorre na infância, em forma de sonhos ou visões. Na maioria das culturas, os pais da criança organizam um ritual de escolha em que ela é levada sem preparação. Suas ações, tomadas espontaneamente e interpretadas no contexto ritualístico, determinam a aceitação/rejeição de sua vocação. A partir deste momento, se aceito, o seu papel especial é reconhecido dentro da comunidade.

O chamado dos espíritos não pode ser ignorado sem repercussões. Embora a natureza delas seja diversificada, as intervenções espirituais muitas vezes tomam a forma de visões difundidas de coisas culturalmente relacionados com “xamãs transgêneros”. Se a relutância do rapaz ou moça persistir, as intervenções podem intensificar-se, interrompendo sua vida, de sua família, e em casos extremos de toda a sua comunidade.

 

2ª) Transformação

Nesta segunda etapa o sexo tradicional é abandonado e o outro é adotado, ocorrendo a transformação exterior. O garoto é tratado como uma menina, no vestido e estilo de cabelo, e em algumas culturas recebe um nome feminino. O mesmo ocorre com as garotas nas tribos em que as mulheres tornam-se homens.

 

3ª) Formação de gênero

A terceira fase envolve a aquisição e formação das habilidades necessárias para cumprir o papel de xamã transformado: as mulheres – amazonas – são treinadas pelos homens e os homens – berdaches – são instruídos pelas mulheres. Esta é uma mudança extremamente significativa nas culturas indígenas, que tem claramente definidos trabalho e responsabilidades para cada sexo. O menino deve deixar para trás todas as atividades, maneirismos, características, até mesmo a linguagem dos outros meninos e aprender os das meninas e mulheres. Enquanto as mulheres passam a agir e falar como homens.

 

4ª) Aprendizado xamânico

Após a adolescência inicia-se a formação em técnicas xamânicas. O aprendiz é colocado sobre a tutela de um xamã, transformado ou não, ou continua a aprender com os espíritos.

 

5ª) Relacionamento afetivo

O último estágio envolve a iniciação na arte de ser o parceiro receptivo em relações sexuais, no caso dos “homens” e, ativos quando o xamã transformado for biologicamente mulher.

 

SHAPESHIFTING (Mudança de forma)

Tradições orais de todo mundo registram a prática de Shapeshifting pelos xamãs No entanto, a metamorfose de gênero discutida aqui é um tipo particular de mudança, distinta da transformação provisória, permanente e necessária para o homem se tornar um xamã. Shapeshifting é a arte de se transformar temporariamente em seres, como animais, espíritos da natureza, divindades e espíritos aliados. Xamãs reúnem o poder, o conhecimento e a experiência da Unidade com todas as coisas através da mudança de forma. Eles também podem usar esta técnica para curar ou garantir a sobrevivência dos outros. Um xamã pode aprender muito metamorfoseando o seu sexo também. A intenção, neste ato, que é eletivo e impermanente, é um pouco diferente da transformação em um xamã suave.

Não é esperada a transformação inversa de sexo feminino para masculino em qualquer cultura xamânica, como condição para uma mulher se tornar um xamã. Há histórias de mulheres xamãs metamorfaseadas temporariamente em homens. No entanto, estas mulheres se metamorfoseam depois que são iniciadas xamãs, e não como uma parte essencial do processo para tornar-se xamãs. Nessas situações, o xamã feminino transforma-se para caçar ou realizar alguma tarefa tradicionalmente masculina para salvar a aldeia ou sua família. Esta metamorfose não é permanente. A intenção nessa transformação eletiva é diferente da exigência de transformar no mundo espiritual. Nas culturas em que xamãs tendiam a ser do sexo masculino, uma mulher não tem que se tornar um homem, se vestir como um, ou agir como tal para se tornar um xamã. Ela é chamada pelos espíritos e treinada como os homens são.

Xamãs devem trabalhar com os espíritos que os chamem para a prática, independentemente do gênero com que se apresentem. Em outras palavras, o sexo do espírito aliado não é dependente do sexo do xamã, muito menos um fator determinante para que ocorra a mudança de gênero. Embora o gênero dos espíritos possam desempenhar um papel na criação de xamãs transformados, ele não explica por que mulheres xamãs que incorporam espíritos masculinos não são obrigados a transformarem-se permanentemente. Os nativos norte-americanos explicam a diferença desta forma: qualidades masculinas são metade da humanidade comum, já as femininas são mais que a metade, abrangendo automaticamente características masculinas. Consequentemente, essas culturas reconhecem um papel especial para os homens que têm a capacidade de transcender os limites de sua masculinidade embora reconhecendo que as mulheres são ilimitadas por natureza.

Muitas culturas acreditam que os xamãs transformados mantém sua identidade variante de gênero no mundo do espírito. Para mostrar respeito por seu gênero e poder únicos, os xamãs transformados são enterrados em sua própria colina especial. Em outras culturas, acredita-se que as almas dos xamãs transformados unem-se as das mulheres xamãs na aldeia do espírito no Mundo Superior. Nas culturas onde todos são enterrados juntos, os xamãs transformados são geralmente sepultados no setor masculino. No entanto, eles são vestidos para o enterro da mesma forma que representaram o seu papel como xamãs transformados e seu status como “Não-homens”.

Observe-se que socialmente o xamã em si tal como os berdaches não pertence a classe masculina ou feminina, mas a uma terceira: a dos xamãs. Sexualmente ele pode ser assexuado, asceta ou ter inclinação de caráter homossexual e também pode ser heterossexual. E assim, formando uma classe especial, os xamãs têm tabus especiais, compreendendo características tanto femininas como masculinas. O mesmo pode ser dito de sua vestimenta, que combinam atributos peculiares de trajes de ambos os sexos.

Vê-se que a maioria das culturas xamânicas do hemisfério norte, da Eurásia e norte-americanas reconhecem o xamã transgênero. O verdadeiro poder vem do obscurecimento, da interação e união dos gêneros. Os povos xamânicos não veem nenhuma oposição entre as questões do espírito e do corpo. Tudo é considerado sagrado. A sexualidade foi um presente do Spíritu, para se apreciar e ser apreciado. Acreditamos que o corpo deve ser reconhecido tal como ele é: uma capa que nos representa, mas não define o indivíduo. Nas tradições xamânicas, esse envoltório pode ser abandonado e transformado em outro ser sempre que o indivíduo desejar. O Caminho Xamânico nos ensina o desapego, inclusive de características ordinariamente entendidas como tão definidoras de identidade quanto nossa sexualidade, para que o nosso poder intrínseco flua livremente.

Wagner Frota

 

Bibliografia:

CONNER, Randy P. Blossom of bone: Reclaiming the connections between homoeroticism and the sacred. San Francisco: HarperCollins, 1993.

CZAPLICKA, M. A. 2005: Xamanismo – Origens e mistérios. São Paulo: Tahyu, 2005.

FLAHERTY, G. Shamanism and the eighteenth century. Princeton: Princeton University Press, 1992.

LANG, Sabine. Men as women, women as men: changing gender in native american cultures. Austin; University of Texas Press, 1998.

TEDLOCK, Barbara. A mulher no corpo de xamã. Rio de Janeiro: Racco, 2008.