O Despacho, Haywarikay em quéchua, é a cerimônia básica em todo o xamanismo andino, conhecido também pelos nomes de wilancha ou pago, que são oferendas aos comensais sagrados (Apus e Achanchilas), Pachamama (Madre Tierra), Kuntumamani (guardião do lugar), ao Supay (senhor do submundo), Chullpas (seres espirituais que habitaram os Andes eras atrás). É um ato de amor e um lembrete das conexões que compartilhamos com todos os seres, elementos, espíritos e lugares sagrados. No nível mais profundo, é uma oportunidade para entrar na unidade essencial de todas as coisas. Há pelo menos trezentas variações de despachos nos Andes (principalmente no Peru, Bolívia e Equador). Embora existam certos elementos comuns a todas oferendas, a intenção de cura particular; como trazer harmonia e equilíbrio para com a terra, honrando novos começos, ou se livrar de uma doença; determina o desenho da oferta e até mesmo a maneira que os elementos são adicionados.
Essa cerimônia se inicia abrindo uma Mastana (manta andina) e em seguida um papel branco, para maior clareza. Apanha-se cravos vermelhos para oferecer a Pachamama e brancos ao Apus. O Sacerdote faz uma cama com suas pétalas, colocando-a padronizadas de forma circular. Depois o Xamã escolhe três folhas coca, e faz um kintu colocando neles pétalas brancas e vermelhas também. Enquanto o grupo que esta a volta montam seus kintus e rezam colocando sua intenção sobre eles, o Paq’o deposita no centro do despacho uma concha branca que simboliza o útero da Grande Mãe Cósmica. Na medida que o grupo traz seus kintus, o Xamã pergunta o nome de cada um, ora sobre as folhas e as assopra com a intenção de que o grupo consiga sorte e sucesso nas coisas que intentam. Em seguida deposita os kintus ao redor da concha.
Um despacho contém símbolos de tudo. Elementos, condições meteorológicas, as nuvens ao redor de montanhas, o arco-íris, as quatro direções, lagos, rios, frutos de nosso trabalho, a terra e as estrelas. Cada item representa uma parte da cosmologia andina, está imbuído de intenção para conexão com as montanhas e o Cosmos, e afeta a totalidade da energia no Universo.
Após a “cama” inicial ter sido criada, o Paq’o apanha-se um feto de lhama que representa o que esta por nascer e não se manifestou. Lambuza-a com gordura de lhama e a enfeita com penas, algodão, papeis dourados e prateado. Durante este processo oram a Pachamama. Depois coloca-o cuidadosamente em cima da concha, o útero da mãe que irá nutri-lo e gerá-lo espiritualmente.
Oferece-se para Pachamama durante o despacho seus próprios frutos como: sementes de coca, passas, grãos, nozes, milho e quinoa. Depois lhe dá doce, que podem ser balas, chocolates e açúcar. Depositam representações do mar como caracóis, conchinhas e estrelas marinhas. Colocam pequenos bastões envolvidos em papéis dourados e prateados que representam à dualidade sagrada, o homem e a mulher, o sol e a lua, o ouro e a prata. Agregam confete simbolizando a alegria, macarrão de letrinhas que representa as palavras. Incenso de copal para purificação. Pequenas notas de dinheiro para atrair riqueza. Ao final é espalhado algodão branco; ou seja; as nuvens que rodeiam as montanhas e trazem as chuvas. E por cima dele são posto várias lãs coloridas, simbolizando a ponte do arco-íris que liga a Terra ao Cosmos.
Embrulha-se cuidadosamente o despacho, amarrando-o com um cordão branco. Os participantes fazem uma fila enquanto o xamã limpa seus corpos luminosos com a oferenda, retirando a energia hoocha (pesada) e abençoando-os. Esta energia densa também faz parte da oferenda e será comida por Pachamama. Ao fim de cada limpeza e benção, o Paq’o encosta sua testa em cada um deles e realiza um Ayni Karpay, uma troca de conhecimento e energia através dos nossos poq’pos, corpos de energia luminosos.
Ao final o despacho é enterrado ou colocado numa fogueira oferecendo e agradecendo a Pachamama dizendo:
– Anãy Pachamama!!!
Wagner Frota