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Aprendendo com a Medicina Nativa dos Xamãs

Muitas pessoas vêem a mim e sempre perguntam se os Xamãs são realmente capazes de voar. Nem penso em responder dizendo que sim. Porém não é o nosso corpo físico que voa, e sim nosso corpo energético, o duplo, o resultado da vibração do homem. Não é coisa do outro mundo. A mente é que nos faz voar. Isso se chama “sentido de ubiqüidade”, o de nos transportar através de longa distância, através da matéria. Por exemplo, eu estou trabalhando aqui na minha Mesa, porém minha mente me leva ao encontro de minha “Maestra” em Ollantaytambo, no Peru, ou na Terra Vermelha do meu amado Cerrado.

Para mim essa força mental pessoal, nada mais é que um poder pessoal que aprendemos a desenvolver através de técnicas arcaicas, tal como me foi ensinado através da minha tradição dentro do meu Clã. É através destas técnicas que o nosso Terceiro Olho é despertado. Mas quem trabalha é a mente que foi desenvolvida. A bruxaria, a feitiçaria, o xamanismo estão ali. Se não há isto, não há nada.

No meu modo de ver o “malero” é um homem sem consciência, porém eu sou um Curandeiro e Contador de Histórias, não um “malero”. Um cura e o outro faz dano (mal), algumas pessoas, infelizmente se equivocam com os termos. Porém, o dano existe porque um deles é mau.

Um cria energia negativa quando se comporta mal. Se nós estamos neste plano, quando jogam com suas armas, estamos trabalhando com a mente para rechaçar o ataque do outro e não deixá-lo fazer pontos. É isso que é feito quando alguém pratica o mal ao próximo. E meu trabalho como Xamã é curar e defender meus pacientes, não esquecendo que também tenho que me curar.

Alguns devem estar se perguntando: Então qual é a dinâmica para termos uma cura com êxito? A resposta para esta questão nos leva ao que se expressa, da melhor maneira, como a “dialética do bem contra o mal”. Esta ideologia dualista é muito clara nas “Mesas Norteñas” peruanas e os ritos que se realizam sobre esse altar. Por exemplo, as “artes” (objetos de poder da Mesa sempre estão postos em um padrão onde os artefatos “bons” se põem à direita e os “maus” se põem a esquerda, com um campo mediador entre eles).

Nos meus rituais, simbolicamente eu “carrego” a Mesa, ativando um processo dialético no qual as forças do bem e do mal se juntam em uma interação significativa ativada pela mediação do campo mediador. O poder das harmonias dos opostos é simbolicamente “descarregado” na cura, é transferido ao paciente para ajudá-lo a balancear o que se encontra em desarmonia em seu corpo e psique.

Mas como se transmitem as energias balanceadas do bem e do mal que foram acumuladas na Mesa carregada? Gosto de chamar esse processo de Caminho do Meio, ou seja, vivemos no presente, no aqui, no agora. O passado é um fantasma que teima em nos atormentar, enquanto para o futuro, ainda existe um longo caminho a percorrer. No meu modo de pensar a energia positiva (boa) e a energia negativa (má) são requeridas para produzir uma síntese balanceada, uma concentração de poder, que deve ser transmitida aos pacientes para ajudá-los a reconciliação de forças dentro dos seus corpos e mentes.

Esta reconciliação de opostos dentro do Xamanismo Andino do norte peruano mostra uma similaridade com o balanceamento do Yin e do Yang na medicina e filosofia chinesa. Também nos faz recordar do trabalho psicológico a respeito das funções distintas do hemisfério esquerdo e direito do cérebro humano. O conceito de união dos contrários aparecem repetidas vezes nos mitos, ritos, crenças, símbolos e técnicas místicas de culturas em todas partes.

Minha tradição (a que trilho) procura uma crença chave do xamanismo arcaico e universal a terminologia moderna. Uma vez desvestido de suas imagens “mito-poéticas”, este princípio é a idéia panteísta ou animista do “poder” que disse que subjacente as formas visíveis do mundo há uma essência misteriosa e impessoal de onde emergem todas as coisas e pela qual são sustentadas até que inevitavelmente são reabsorvidas. Todavia este poder que se encontra em todas as partes, tende a ser enfocado em objetos, plantas e locais sagrados. Todos os seres humanos controlam algum vestígio de poder, porém somente o Xamã tem um contato direto com o poder de acordo com seu caráter interno. O Poder Pessoal se revela no carisma, no saber ritualístico e na sabedoria sobre os estados verdadeiros das coisas. Suas aplicações mais dramáticas se encontram nas expressões artísticas e nas curas.

Todos nós temos muitos a aprender com os Xamãs em relação a crescente disciplina da psiquiatria trans-cultural. Além de serem Mestres Curadores, eles são os pais e mãe da Dinâmica de Grupo, áreas que a psiquiatria descobriu recentemente.

Para aqueles que conhecem, o programa de “Médicos Descalços” na China foi uma tentativa inicial de aproximar/combinar os processos de cura antigos com os processos modernos. Outros esforços como este foram feitos pelo psiquiatra, Dr. Thomas Lambo, da Nigéria que incluiu práticas tradicionais/nativas nos pacientes internados num hospital no território Yoruba. Além de ganhar a confiança dos pacientes rurais, o programa do Dr. Lambo também ensinou aos Curandeiros nativos alguns dos princípios básicos da psiquiatria ocidental ao mesmo tempo em que expôs aos psiquiatras treinados no sistema ocidental a Medicina Nativa.

Até poucos anos atrás, Dr. Lambo era Diretor Assistente da Organização Mundial de Saúde em Genebra, aonde começou uma iniciativa para encorajar a integração em nações em vias de desenvolvimentos. Esta iniciativa levou a formação de um Grupo de Trabalho em Medicina Tradicional (Nativa) da OMS encabeçado pelo Dr. Bannerman que conduziu um estudo de dois anos sobre Medicina Tradicional.

Os resultados do Dr. Bannerman foram apresentados a junta executiva da OMS que ficou satisfeita ao saber que a maioria dos Curandeiros Nativos estavam treinados de maneira completa, e tomou uma oposição oficial sobre a Medicina Nativa, numa nota que dizia:

“…o sistema de saúde do mesmo povo é bem aceita por eles. Tem certas vantagens sobre sistemas de medicinas importados de qualquer lugar, porque como parte integral da cultura do povo, e especialmente eficaz em resolver certas problemas culturais de saúde. Pode contribuir livremente, e frequentemente o faz, a medicina científica e universal.”

Uma de minhas “Maestras” me contou que na cidade de Trujillo, onde seu pai nasceu, houve um curso apoiado pela Fundação Tinker de New York, que visava preparar estudantes de medicina para o seu ano de serviço social obrigatório em zonas rurais do país, um dos requisitos para se formarem. Sua meta e objetivo foi a de demonstrar como a Medicina Nativa/Tradicional se perpetua na comunidade por meio de uma tradição oral, aprendizagem imitava e uma rede sócio-econômica apoiada por crenças e práticas tradicionais; tentando sensibilizar os jovens médicos a aprenderem a Medicina Tradicional. É de se esperar que provavelmente estas metas melhorarão a comunicação entre praticantes de técnicas antigas e novas, e permitira ao pessoal da saúde pública usar redes locais e recursos humanos para canalizar inovações médicas. Eventualmente, um ambiente que fomente o intercâmbio mútuo de conceitos e práticas entre as duas terapias poderá ser criado.

Atualmente existem alguns casos de Xamãs trabalhando com pacientes terminais dentro de hospitais norte-americanos, com ótimos resultados e com apoio da Direção Hospitalar. Dentro desse mesmo país, existe uma cooperação entre a psicoterapia tradicional e moderna contribuindo valiosamente para a promoção de uma saúde mental melhorada; em particular entre grupos étnicos minoritários. Por exemplo, no Centro Lincoln de Saúde do Bronx de New York, Pedro Ruiz, um psiquiatra e Jonh Langrod, um psicólogo, combinaram com bastante êxito métodos tradicionais e modernos para satisfazer as necessidades psiquiátricas da comunidade Porto-riquenha deste centro. Por isso a terapia ali incluída utilizou curandeiros e, adicionalmente, residentes em psiquiatria foram expostos aos métodos da medicina nativa/tradicional por meio de um programa de treinamento.

É provado cientificamente e podemos também verificar nos livros “Um Aprendizado Mágico” de Little Foster ,e “A Dança dos Curandeiros” de Carl A. Hammerschlag, que a medicina nativa é capaz de livrar os jovens das drogas e marginalidade, e ensinando a estes jovens a caminharem com beleza sobre o ventre da nossa Mãe, a Terra.

Todos os fatos aqui expostos, ao meu ver, são de fundamental importância no nosso esforço incansável para desenvolver um diálogo continuo entre a medicina tradicional e a medicina moderna.

Wagner Frota