por Hugo Marcelo de Faria e Silva.
Introdução
O xamanismo pode ser descrito como um conjunto de práticas vivenciais que permitem o equilíbrio do campo energético e a promoção de estados alterados de consciência. Essas duas questões e seus desdobramentos perpassam quase todos os procedimentos ditos xamânicos. Entre esses procedimentos encontram-se dois que se prestam à análise nesse texto: o uso do som ( na forma de cantos e instrumentos) e o Estado Xamânico de Consciência (construção de um ambiente psíquica e vibracionalmente adequado para as práticas e rituais).
Referencial Teórico
Se o xamã é o viajante entre mundos, com certeza o som é um de seus mais importantes veículos. Historicamente percebe-se o uso do som como indutor do Estado Xamânico de Consciência como prática milenar no processo de cura xamânica. Leomara Craveiro de Sá (2007) comenta que segundo Moreno (s/d) “pinturas pré-histórias sugerem, nitidamente, uma conexão entre música, artes plásticas, dança e teatro nos processos de cura. Até hoje, nas práticas xamânicas espalhadas pelo mundo, a música aparece de forma intensa, levando a outros estados de consciência” (SÁ,2007 p. 8).
Sobre essa relação histórica e simbiótica entre som e xamanismo, o médico Márcio Bom Tempo poeticamente afirma:
“O terror provocado pelos trovões, a tranquilidade gerada pelo ruído de uma chuva fina, o enlevo produzido pelo canto de um pássaro, o êxtase a que se é conduzido pelo som de uma flauta: todos esses sentimentos são fruto de efeitos inexplicáveis, mas que sempre atraíram exerceram forte influência sobre o ser humano”. (BOM TEMPO, 1992 p. 180).
É possível afirmar, com base em achados científicos, que existem algumas características do som que propiciam as alterações de estados de consciência necessárias para a boa execução das práticas xamânicas. Essas características se devem em parte ao fato de que o som se propaga no ar como uma onda física que atinge e faz com que todo o corpo vibre com ele. Esse estado de ressonância afeta inclusive a frequência de trabalho do cérebro humano e, por conseguinte seu estado perceptivo.
Embora não seja interesse do presente trabalho o aprofundamento sobre a dinâmica eletrofisiológica do cérebro humano, se fazem importantes alguns comentários sobre as ondas neurais como suporte para o entendimento do importância do som nos processos psicofísicos subjacentes à prática xamânica.
Segundo Oliveira (2001) podemos perceber quatro padrões distintos de ondas cerebrais, variações de potenciais elétricos neuronais, comuns ao funcionamento cerebral. São elas:
- · Ondas Beta: São as ondas mais rápidas, 13 a 30 Hz. Este é o resultado obtido para o monitoramento da atividade do cérebro humano no estado de vigília. Nesse estado, o cérebro atua e percebe o mundo no estado padrão de consciência.
- · Ondas Alfa: Mais lentas que as Beta, 7 a 13 Hz. Nesse estado o cérebro está mais lento e contemplativo, percebe-se esse tipo de onda em meditações e visualizações.
- · Ondas Theta: 3 a 7 Hz. É o estado do sono reparador, apresentamos essas ondas quando sonhamos. Na fase do sono REM (Movimentos Oculares Rápidos) o cérebro apresenta essa configuração ondulatória. É interessante perceber que alguns xamãs conseguem atuar nesse EAC e reconfigurar os próprios sonhos e mesmo comunicar-se com outros nesse nível de consciência.
- Ondas Delta: São as mais lentas dos 4 padrões principais, 1 a 3 Hz. Estão associadas ao sono profundo sem sonho, ao estado de coma, e de anestesia geral.
Para ilustrar a importância do som na indução dos estados alterados de consciência utilizados para a prática xamânica temos a questão do ritmo do tambor nos vôos xamânicos. Em seu site, o artesão de tambores, musicista e xamã Rowland Berkley comenta que:
“As freqüências Delta do cérebro estão entre ½ Hz a 4 Hz e comumente ocorrem durante hipnose profunda acompanhada de visualizações fortes, e vários outros profundos estados de consciência, incluindo-se estados de superaprendizado, nos quais música é tocada a 1 Hz para intensificar o aprendizado. O ritmo do tambor xamânico está dentro dessa freqüência, e um bom tambor xamânico também emite um alto componente de tais freqüências. Tais freqüências não estão no alcance teórico do ouvido humano, mas têm muitos efeitos fortes sobre o corpo humano”.(Disponível em <http://www.tranceform.org/index.php?option=com_content&view=article&id=47:shamans-drum-speaks&catid=24:barkley&Itemid=105&lang=pt> , acesso em 17/01/2013).
Considerações Finais
Dito de outra forma, o som, com todos os seus aspectos físicos como frequência, comprimento, velocidade, amplitude, afeta nosso corpo, mente e espírito, nos informando como procedermos sistemicamente para alcançarmos outros estados de consciência, para vivermos o xamanismo. As práticas expansoras da consciência ajudam o cérebro e o ser a “cantarem outras músicas” que não as monocórdicas melodias da realidade. Como disse o mestre índio Sapaim: “Todo Pajé é um músico”.
Hamar Bjorn – Um Guerreiro do Arco-íris
Referências
BONTEMPO, Márcio. Medicina natural. São Paulo, SP; Editora Cultural, 1992.
FERNANDES, J.C. Acústica e ruídos. Apostila do Curso de Especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho, Unesp, Bauru, 2000.
SÁ, Leomara Craveiro. Música e Estados de Consciência. Artigo publicado nos Anais do Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Música – ANPPOM, 2007. Disponível em: <http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2007/musicoterapia/musicoterap_LCSa.pdf> , acesso em 17/01/2013
OLIVEIRA, Maria Aparecida Domingues de. (2001). Neurofisiologia do Comportamento. Canoas: Ed. Ulbra.