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A Arte do Xamã ontem e hoje

 

Xamãs antigos e contemporâneos (neo-xamãs), são artistas que sabem manusear a energia do mundo visível e invisível. O ritual é a sua arte. Eles aproveitam as energias do universo e a manuseiam através do transe, música, dança, e do poder da intenção de criar rituais de cura únicos. As práticas e métodos para a criação de ritos do xamã são retiradas de seu domínio no Estado Xamânico de Consciência Ampliada, experiências de vida, do seu caráter, e os seus próprios dons e talentos pessoais.

O Xamanismo é a experiência pessoal direta e aplicação prática. Xamãs e indivíduos das culturas xamânicas não acreditam em suas práticas e nos espíritos, eles os experimentam. Xamanismo é um modo de vida, e não uma fé ou crença. Um xamã não acredita que ele ou ela é um xamã. Um xamã é simplesmente um xamã, que se molda de acordo como ele vê o mundo.

O desafio para explicar o Xamanismo é muito parecido com a tentativa de explicar a arte. Como descrevemos um pintor que mistura as suas tintas, faz uma sequência de pinceladas, e inspirado pinta um tema, porém a essência da pintura não é necessariamente revelada. Descrevermos em detalhes uma ritualística xamânica, não captura a magia e o sincero poder presente na experiência deste ritual.

Há muitos livros disponíveis que reúnem fatos, pesquisa de campo, e histórias sobre xamãs e efetivamente defendem a existência e eficácia do Xamanismo. Este não é meu objetivo neste site. Minha intenção é apresentar informações sobre xamãs e suas práticas para que o leitor seja capaz de compreender através dos olhos do xamã. Para este fim, vamos definir conceitos xamânicos e de outros campos nesta luz. Ao fazê-lo esperamos fornecer um recurso completo e prático para as pessoas contemporâneas, neo-xamãs, e praticantes do Xamanismo.

Ao falar de Xamanismo tradicional quero me referir a práticas xamânicas antes do contato com o mundo ocidental. Algumas culturas xamânicas tiveram contato com o mundo ocidental há milhares de anos, mas para outros foi apenas a alguma décadas. Já ao citar sobre Xamanismo contemporâneo as práticas xamânicas referem-se o pós-contato com povos indígenas e não-indígenas hoje.

Para entender o Xamanismo através dos olhos do xamã, o leitor deve imaginar o que seria como viver em um mundo onde não há separação entre o físico e o espiritual, sem a desconexão entre a humanidade e o Spíritu (a essência criadora). O leitor deve imaginar a vida sem um conceito de Ego. A mentalidade do xamã é fundamentalmente diferente do de uma pessoa contemporânea.

 

Arte do Xamã

O reino invisível dá acesso ao sagrado, ao Grande Mistério, ao desconhecido. Estas palavras são a nossa tentativa humana de nomear nosso Cosmos, que está sempre em evolução e é inerentemente criativo. A tecnologia da jornada extática do xamã, dá a ele a capacidade de agir sobre o Infinito potencial, criador do Cosmos. Cada viagem é um ato de inovação, em que o xamã se baseia nas energias Cósmicas para atender às necessidades do paciente ou de sua comunidade. A energia recuperada pode ser uma informação ou uma alma perdida. Cada jornada é um ato de criatividade, e muitas vezes de êxtase. O que vemos o xamã fazer em uma viagem xamânica não é o que ele está realmente fazendo para provocar uma mudança ou cura. Mesmo em rituais comunitários, onde muito do que o xamã faz é encenado no mundo físico, o poder do ritual, a forma como ele cria uma abertura para o espírito intervir na vida dos seres humanos, ocorre no mundo invisível. Como o xamã cria o Espaço Sagrado é uma arte, que não é encontrada em suas ações aqui, mas no mundo invisível.

A arte do xamã é a sua capacidade de isolar a verdadeira fonte do problema do paciente, de inovar, enquanto em transe, e dar sentido ao que ele ou ela experimenta no reino invisível. Alguns xamãs são mais talentosos do que outros, uns são simplesmente mais bem treinados. Tal como acontece com todos os artistas, o talentoso, mas inexperiente, são ocasionalmente brilhante e geralmente inconsistente e pouco confiável. Por outro lado, o que passou por um processo de treinamento, mas sem talento são consistentes, embora raramente inspirados ou inovador. Os xamãs mais poderosos e eficazes são aqueles que treinam o seu talento natural. Xamanismo é melhor compreendido como uma arte esotérica de evolução e da vida do xamã como um caminho de maestria.

Quando em transe, o xamã está ligado a todas as coisas e em comunicação com o mundo dos espíritos. Sem esse contato com a fonte transcendental, o evento não é xamânico. Xamanismo é muitas vezes referido como técnicas de êxtase. Êxtase pode ser definido como a experiência de conexão com todas as coisas ou Unidade. No entanto, as técnicas do xamã não são tanto somente do êxtase, mas como trabalhar enquanto nesse estado. Êxtase não é o fim, mas o meio pelo qual o xamã realiza os serviços prestados a outras pessoas e sua comunidade. O Xamanismo é uma aplicação prática do potencial em estados místicos de êxtase. Xamãs utilizam uma gama de estados alternativos de consciência para interagir com o mundo espiritual.

Métodos xamânicos envolvem estados alternativos que vão desde o voo extático, quando a alma do xamã deixa o corpo e se move pelo mundo espiritual, ao transe incorporado, durante o qual o xamã invoca um espírito aliado para dentro de seu próprio corpo, permitindo que este trabalhe no paciente através da forma física do xamã. O voo extático é muitas vezes chamado de “voo da alma”. Ele é utilizado tradicionalmente para a adivinhação, a recuperação de energia (restabelecendo a conexão pessoal com o espírito), resgate da alma (a recuperação de uma parte perdida da alma), e o trabalho de psicopompo (escoltando as almas dos mortos para a o Acampamento do Outro Lado do Rio da Vida). O transe incorporado é tradicionalmente usado para adivinhação, limpeza (retorno de energia para o mundo espiritual) e extrações (liberando as intrusões energéticas para a natureza ou mundo espiritual). Na prática, o xamã pode agir entre os dois tipos.

O voo extático é a tecnologia do Xamanismo. O tipo de transe e a profundidade dele são determinados pelo que o xamã precisa realizar para o paciente. Xamãs procuram fazer o necessário e que funciona, sempre com base na orientação dos espíritos aliados com os quais desenvolvem uma relação de trabalho durante a sua formação e iniciação. Quando o problema é apresentado, o xamã entra em transe, procura a causa da verdadeira natureza do problema e uma prescrição para as ações que necessitam ser tomadas para restaurar o equilíbrio da situação. Práticas de diagnóstico dos xamãs são individualizadas e mudam conforme sua experiência. A maioria dos xamãs usam um estado de êxtase profundo – uma jornada da alma para se comunicar com o mundo espiritual ou um transe incorporado – convidando um espírito para o mundo físico para se comunicar. A prescrição pode envolver ações do xamã no estado de transe, assim como remédios da realidade comum como ervas, rituais, oferendas e sacrifícios espirituais. O xamã em seguida, executa as ações prescritas e/ou direciona o indivíduo ou a comunidade para cumprir o tratamento prescrito. Podendo inclusive pedir ao paciente que este busque auxílio com a medicina ocidental.

A maioria dos transes no ritual de cura xamânica tem como base as orientações de um espírito aliado. Em algumas culturas, como o !Kung da África, o xamã experimenta um relacionamento com uma energia especial, não espíritos. Esta energia, porém, funciona de forma semelhante, fornecendo a orientação e poder para inovar nas curas.

Cada sessão de cura xamânica envolve várias etapas que se repetem. As ações que efetuam mudanças ocorrem na realidade não-ordinária durante o transe. A estrutura geral de um ritual de cura xamânica, começa com o xamã definindo a intenção da sessão. Em seguida, ele ou ela cria o espaço sagrado com bênçãos, rezas ou oferendas. Finalmente, abre o espaço sagrado para o espírito invocando-o. O diagnóstico, a prescrição e trabalho de cura ocorrem sem tempo determinado. Quando o trabalho estiver concluído, o xamã sai do transe e completa o ritual, fechando o espaço ritualístico. Em seguida, o xamã, prescreve os remédios ou ações que devem ser realizadas.

As ações tomadas pelo xamã, enquanto em transe envolve recuperar alguma forma de energia do mundo espiritual para retornar ao paciente ou remover uma e direcioná-la para a natureza ou mundo espiritual. Muitas sessões implicam uma combinação de ambas ações. As formas de energia obtidas para os indivíduos são a informação, o espírito aliado, a alma perdida ou parte dela. As energias retiradas dos indivíduos variam de energias simples que precisam ser limpas, para padrões de energia mais densa, como dardos mágicos ou emoções obsessivas que precisam ser extraídas. Estas energias podem ser padrões altamente complexos ou formas espirituais que precisam ser exorcizadas, como quando o xamã atua como um psicopompo, levando a alma do falecido para a Terra dos Mortos. Neste complexo ato, o xamã assegura que a viagem seja segura e completa para que a energia da alma vá para o mundo espiritual, onde ela agora pertence.

As formas de energia recuperadas para as comunidades, através da elaboração e execução de rituais específicos aos espíritos dos lugares, como uma formação rochosa, lagoa, ou o espírito das coisas, como objetos de poder. O objetivo dos rituais comunitários pode ser para restaurar o equilíbrio com um elemento, como terra ou fogo. O ritual pode ser o de encontrar uma nova ressonância com os antepassados ou com algum outro ser no mundo espiritual. O ritual pode ser feito a fim de honrar com celebrações e cerimônias, ou para fazer uma oferenda, com o sacrifício de animais (em algumas culturas), ou sanar as transgressões contra a família, a comunidade, ou os espíritos. As energias removidas da comunidade são na maioria das vezes espíritos dos mortos presos neste mundo, espíritos malévolos que vieram por vontade própria, enviados por feitiçaria, ou os encontrados em lugares e coisas.

Tradicionalmente a prática do Xamanismo procura manter o equilíbrio saudável entre as pessoas e seu meio ambiente, tanto físico como espiritual. O xamã satisfaz as necessidades da comunidade: ao escoltar as almas dos mortos em seu retorno ao mundo espiritual, porque as almas dos defuntos são problemáticas para os vivos, e ao assegurar caçadas bem-sucedidas através da negociação, na realidade não-ordinária com o Mestre ou Senhora dos Animais e conduzir os rituais prescritos (caça mágica). O xamã restaura o equilíbrio entre a comunidade e o mundo animal, espiritual, ou o ambiente natural, criando os rituais necessários, orientados por seus espíritos aliados. Esta tarefa inclui determinar os sacrifícios necessários e de que tipo. Rituais comunitários, por vezes são focados na cura de um indivíduo quando a falta de equilíbrio deste prejudicou a harmonia da comunidade. As necessidades da comunidade variam continuamente. Através da relação com os seus espíritos auxiliares, o xamã é capaz de criar novos rituais para atender a essas necessidades.

Tradicionalmente, o xamã está disponível para atender às necessidades de cura dos indivíduos, particularmente, também. O xamã obtém informações do mundo espiritual por meio de adivinhação. Ele ou ela recupera o espírito aliado, a sorte, do mundo espiritual através de recuperações de energia; de partes da alma, quando foram perdidas ou roubadas; doenças causadas por invasões energéticas com limpezas, sucção, ou outras formas de extração; e reciclar a energia enviando-a de volta para o mundo espiritual através de limpezas e rituais. As sessões de cura duram muitas vezes ao longo da noite e o xamã geralmente está disponível a qualquer hora, do dia.

O Xamanismo mudou ao longo do tempo com a evolução das necessidades das comunidades e dos indivíduos. Enquanto no passado um dos papéis principais do xamã estava ligado especificamente a magia, hoje xamãs ajudam as pessoas com preocupações profissionais que envolvem carreiras, sucesso e reconhecimento. Questões de carreira são, talvez, uma versão contemporânea da antiga necessidade de saber “onde caçar” e “quando plantar”. Essas questões são levantadas pela questão fundamental: Como faço para sobreviver? A necessidade de sobreviver não mudou, como também permanece igual o transe do xamã e a sua relação com os espíritos aliados.

As formas externas de rituais xamânicos também mudaram ao longo do tempo, em resposta a mudanças nas necessidades das pessoas que são provocadas pela influência de mudança de culturas, governos e sistemas religiosos dominantes. Geografia, mitologia, a flora e fauna, e os padrões climáticos dominantes são alguns dos muitos fatores que influenciam os tipos de espíritos com os quais o xamã pode trabalhar.

Pessoas contemporâneas se voltam para os xamãs essencialmente pelas mesmas razões que seus antepassados fizeram, por soluções práticas e pragmáticas para os problemas da vida cotidiana. Eles acreditam que a solução está além das dimensões do mundo físico comum do problema. Essa crença pode ser culturalmente realizada ou pode realmente ser contrária às crenças do indivíduo, mas o xamã é procurado porque todas as outras vias convencionais de ajuda falharam. Algumas pessoas relatam uma sensação estranha ou intuição que buscar um xamã é a coisa certa para eles fazerem, mas elas não sabem nada sobre Xamanismo. Como o xamã cria a mudança é determinada pela necessidade e varia de caso a caso, tal como acontece com os xamãs tradicionais. O resultado de rituais de cura xamânica visa restaurar a integridade da alma do indivíduo (força vital), para restituir a harmonia e o equilíbrio entre o indivíduo e o meio ambiente, ou para reestabelecer a energia do indivíduo.

Neo-xamãs abordam uma ampla gama de problemas de saúde desde o resfriado comum ao câncer, depressão, fertilidade e longevidade, problemas familiares, incluindo as questões que surgem entre cônjuges, pais e filhos, e membros da família mortos. Xamãs também realizam cerimônias de aberturas de novos lugares ou eventos, tais como estradas, pontes, casas, viagens de embarcações, bem como o fechamento de espaços antigos.

Como podemos ver, a prática do Xamanismo é uma arte viva. As formas mudam, evoluem e se transformam. No entanto, as funções dentro das formas não mudaram ao longo do tempo ou entre culturas. É justamente essa consistência e capacidade de adaptação que faz com que o Xamanismo uma prática de cura até os dias de hoje.

Wagner Frota