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As Flechas-Serpentes

Dois enormes macacos semeavam o terror na floresta ao devorarem selvagemente todos os homens que conseguiam caçar na ilha do Bananal, no meio do rio Araguaia. Um dia, dois irmãos resolveram libertar aquela aldeia daqueles monstros e puseram-se a caminho com seu arco e suas flechas. Subitamente, uma rã que se encontrava à beira do caminho, chamou-os e disse-lhes:

– Onde vão?

– Vamos matar os macacos gigantes- responderam eles num tom firme e decedido. – Não temos medo!

A rã disse-lhes então:

– Sem a minha ajuda vocês não conseguirão.

Mas os dois irmãos, que eram tão orgulhosos como corajosos, não acreditaram nela e continuaram seu caminho. Quando chegaram a poucos metros de onde viviam os macacos, sentiram um frio glacial invadi-los: a árvore estava rodeada de esqueletos humanos…Os macacos os viram aproximar e atacaram os dois, capturando e devorando os dois valorosos guerreiros.

Na aldeia, seu irmão Marikà esperava por eles, deitado numa esteira de palha. Olhava, havia um longo momento, o atalho que conduz ao rio. Era por ele que os irmãos tinham partido. O Sol em breve iria se pôr, eles deveriam ter voltado há muito tempo. Tinha o corpo coberto de ferimentos, alguns deles infectados e o Pajé nada podia fazer por ele. No dia seguinte, os irmãos não tinham voltado e, não tendo ninguém para tratar dele, Marikà levantou-se com grande custo e pegou no arco e nas flechas que estavam pendurados na oca. Tinha de ir caçar pássaros. Arrancar-lhes-ia as penas e as trocaria por alimento. Com um pouco de sorte, poderia talvez, também, caçar algum outro animal. Mas não tinha força nenhuma. Quando visualizou um papagaio, ele teve uma tontura devido ao forte sol e caiu com as flechas nas mãos num buraco de serpente. A serpente saiu bruscamente e disse:

– O que você está fazendo na floresta nesse estado? Com pode caçar estando tão doente?

– Que queres – respondeu Marikà -, agora estou só. Os meus dois irmãos foram devorados certamente pelos macacos gigantes, porque partiram para caçar e nunca mais voltaram. Já não tenho ninguém para cuidar de mim e me alimentar. Tenho de ir caçar ou esperar a morte. Não tenho escolha.

A serpente apiedou-se dele e disse:

– Vou tratar de ti, mas não digas a ninguém quem te deu essa pomada preta.

A serpente então cobriu todo corpo de Marikà com uma espessa pomada que tinha num pote de barro, no fundo do seu buraco. Quando Marikà voltou à aldeia, todos ficaram admirados de o ver andar sem dificuldade e todo pintado de preto. Mas a todos respondia:

-Passei debaixo de uma árvore queimada, e por isto estou assim.

No dia seguinte, começava já a se sentir muito melhor e decidiu vingar os irmãos. Era preciso matar os dois macacos gigantes. Era preciso. A serpente fabulosa, que tinha se tornado sua amiga, disse-lhe dando um estranha flecha:

– Com esta flecha mágica, poderás castigar os macacos gigantes que mataram seus irmãos. No teu caminho, cruzarás com uma rã que te pediras que cases com ela. Finge aceitar, porque te confiará um segredo indispensável a tua vingança.

Marikà partiu a procura dos macacos gigantes, decidido a vingar a morte dos irmãos, e confiante: não tinha ele a flecha mágica fornecida por sua amiga serpente? Primeiro, as suas predições pareciam realizar-se: na sua frente acabava de aparecer uma rã! Como lhe prometesse casamento, confiou-lhes que os macacos tinham um ponto fraco: os olhos. S e conseguisse furar-lhes, morreriam instantaneamente.

Ele agradeceu-lhe calorosamente e pediu-lhe que os esperasse porque, primeiro, ia vingar os irmãos. Seguiu o caminho muito contente por saber o segredo dos macacos gigantes. Chegou junto da árvore em que havia os esqueletos amontoados e nem assim teve medo. Pelo contrário, sentiu redobrar a sua sede de vingança. Já nada o podia fazer parar. Divertidos com tanta temeridade, os macacos gigantes deixaram-no ataca primeiro. Sem se deixar perturbar, Marikà ficou imóvel a olhar com fixação os olhos dos dois macacos. Subitamente, com rapidez do relâmpago, arremessou a sua flecha para o olho do maior. Antes mesmo que ele caísse, abatido, a flecha mágica tinha voltado ao arco e tornva a partir sozinha, como por mágica, para perfurar o olho do outro macaco. Com um barulho estrondoso, os dois caíram ao chão.

O jovem guerreiro foi encontrar a serpente e contou-lhe sua proeza. A serpente deu-lhe então um molho de flechas e disse-lhe:

– Estas flechas são mágicas. Têm o poder de nunca falharem o alvo. Para cada animal há uma flecha especial que voltará á tua mão, depois de o ter-lhes matado.

Marikà tornou-se assim o melhor caçador da aldeia. Nunca voltava sem nada e apanhava o que queria. Todos tinham muita inveja dele.

Um dia decidiu casar-se. Construiu uma casa, arroteou um terreno, plantou nele mandioca, inhames, batatas, milho, amendoim e tabaco, mas também urucum e genipapo para fabricar as suas tintas. Marikà bem tinha recomendando à mulher que nunca emprestasse as suas flechas a ninguém, mas, um dia, o irmão dela soube persuadi-la a confiar-las, às escondidas.

No princípio, Marikà não se deu conta. Quando ele partia para ir trabalhar nas suas plantações, o cunhado vinha buscar-lhe as suas flechas mágicas, ia caçar, voltava bastante cedo para as poder pôr no seu lugar antes de ele regressar. Marikà não desconfiava de nada.

Um dia, apareceu um espírito na floresta. Tinha uma garganta enorme e centenas de dentes. Aterrorizado, o cunhado de Marikà fugiu, esquecendo de recuperar a flecha que acabará de atirar. O espírito o perseguiu até a aldeia, onde matou todos os que lá estavam. Apenas foram salvos aqueles que não estavam na aldeia naquele momento.

Alertado pelo barulho, Marikà voltou a aldeia. A serpente tinha-lhe ensinado a exorcizar as flechas em caso de problema. Foi o que ela fez. O espírito desapareceu com um barulho de trovão, mas a maioria das pessoas da aldeia estavam mortas e os sobreviventes conservaram sempre gravada na sua memória aquela garganta enorme e aquelas centenas de dentes, que tinham avistado de longe, ao retornar à aldeia.