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Êxtase e transe do xamã

Tremores, arrepios, desmaios, queda no chão, espuma pela boca, olhos protuberantes, insensibilidade ao calor, ao frio e à dor, tiques, respiração ruidosa, olhar vidrado são algumas das características do estado de transe. Como é possível que este tipo de comportamento represente sinais de um estado divino? Embora perturbantes para muitos, estas manifestações representam parte essencial de muitas das atividades dos xamãs deste mundo. O estado de espírito do xamã durante a iniciação e atuações reveste-se de mistério. O estado de transe parece envolver a concentração da atenção numa área, acompanhada de uma reduzida consciência de tudo o que rodeia o centro de atenção. A moderna discussão do transe faz-se vulgarmente em termos de um ou mais “estados alterados da consciência” ou mesmo até de um “estado xamânico de consciência”. Tanto para o Xamanismo como para a possessão, é fundamental que ocorra um tipo qualquer de transe, embora o transe de um xamã, contrariamente ao de uma pessoa possessa, seja altamente controlado. Isto se deve provavelmente à natureza da iniciação, que se desenrola e repete em rituais.

Quer a menina Mazateca, descendo em sonhos até o mundo profundo, ou o futuro xamã siberiano, que, em visões, é raptado, torturado e desmembrado, ambos repetem partes das suas experiências iniciáticas todas as vezes que fazem uma jornada, no decurso de seu trabalho. Durante a iniciação, o futuro xamã não teve o conhecimento e os recursos necessários para suportar os esforços do que ele ou ela vão passar, e a violência da experiência foi associada a incapacidade de a controlar. Na verdade, era muito semelhante a possessão involuntária. A partir do momento da iniciação, assinalada pela morte de si próprio e da personalidade, e a partir daí em ações regulares, o xamã opera agora como uma pessoa recém-formada ou muito melhorada.

Ao redor do mundo os xamãs utilizam combinações de superestimulação sensorial e privação que disparam elétrica e quimicamente a consciência extática ou o transe. Estudos científicos recentes afirmam que as atividades xamânicas afetam e são afetados pelos trabalhos do cérebro e do sistema nervoso. O xamã utiliza práticas específicas ou tecnologias sagradas para entrar em uma estreita faixa de estados alterados de consciência conhecida como Estados Xamânicos de Consciência (EXC). Esta gama particular tem certas qualidades que permitem o xamã trabalhar em parceria com os seus espíritos aliados. Estes estados de transe são essenciais e fundamentais para o trabalho xamânico. A parceria entre o xamã e os espíritos, seja no mundo físico ou espiritual, gera a energia para a cura xamânica e o ritual. O transe do xamã não é um estado, mas uma gama de estados entre incorporação e o voo extático. Quando o xamã viaja para o reino do espírito, o estado de transe utilizado é referido pelo nome de voo da alma ou jornada do espírito. Para outras tarefas, é mais eficaz para o espírito vir ao mundo físico por meio do corpo do xamã para trabalhar aqui no reino humano. Este estado de transe é referido como “personificação” para distingui-lo claramente de possessão, que é em muitas culturas considerado uma “doença”. Jornada (voo xamânico) e personificação (incorporação) são os estados de transe em extremidades opostas da estreita faixa de estados alterados que, juntos, compõem estados xamânicos de consciência.

O transe está intimamente ligado ao êxtase. Estas duas palavras são por vezes utilizadas indiferentemente, ou então o transe usa-se como termo médico, referido ao estado psicológico da pessoa, e o êxtase como termo religioso, essencialmente para o mesmo fenômeno. Todavia, o antropólogo americano Rouget (1985) argumenta que o transe e o êxtase deverão ser considerados como referentes a tipos muito diferentes de sensibilidade religiosa. Enquanto o êxtase implica a imobilidade, o silêncio e a solidão, o transe depende do movimento, do ruído e da companhia. O êxtase abrange a provação sensorial, enquanto o transe, pelo menos, envolve a superestimulação dos sentidos.

Rouget (1985) estabelece a comparação entre os Marabus, ou homens santos muçulmanos, no Senegal “que buscam o êxtase no silêncio, e solidão em suas grutas”, com os praticantes do ndop, que entram em transe no meio de uma grande multidão, estimulados pela bebida, por uma dança frenética e pelo bater dos tambores.

Mesmo que aceitemos essa distinção, o êxtase e o transe coexistem em muitas religiões, e até mesmo em indivíduos. Os xamãs podem muitas vezes fazer uso da contemplação, como no caso da busca das visões, entre os índios norte-americanos. No entanto, a ideia da própria jornada cósmica, com a luta que a caracteriza para vencer inimigos e ultrapassar obstáculos, explica a razão pela qual a experiência xamânica tende a ser vigorosa, em especial no Xamanismo clássico.

 

Harner (1980, p. 20) diz que:

“A palavra êxtase refere-se, comumente, tanto ao transe xamânico ou Estado Xamânico de Consciência como a um estado de exaltação e de deleite arrebatador. A experiência xamânica é positiva, conforme foi verificado através de milhares de anos, e como vi, muitas e muitas vezes, em meus centros de treinamento, nos quais os participantes representavam amplo leque de personalidades”.

Sobre esse assunto Tedlock (2008, p. 86) escreve:

“Êxtase e transe podem ser utilizados de maneira intercambiável, embora os antropólogos utilizem transe para se referirem a ambos e historiadores da religião, do mesmo modo, empreguem êxtase. Gostaria de diferenciar os dois termos. O Transe é um estado hiperlúcido de superestimulação sensorial provocada por uma música, barulho e odores. As imagens, audições e experiências de transe são geralmente esquecidas depois. O êxtase é um estado de privação sensorial e recolhimento. Pense em jejum, silêncio e escuridão. As experiências durante o êxtase não apenas são lembradas mais tarde, como podem ser rememoradas repetidas vezes. O sonho, o monitoramento de energia vital do corpo e o estado produzido pelas “drogas” psicodélicas são experiência estática em vez de transe”.

 

Em Psychomental complex of the tungus (1935), um dos estudos etnográficos sobre o xamanismo siberiano, autor Shirokogoroff postula que o atributo mais básico de transe do xamã é o domínio dos espíritos, ou personificação do espírito aliado. Os Tungus distinguem entre um transe involuntário de possessão, que é uma “doença”, e o de incorporação voluntária do xamã. O xamã possui intencionalmente espíritos aliados como uma parte da cura de “obsessões” em outros. Este tipo de transe é relatado em diversas culturas xamânicas. Em contraste, outros estudiosos, o mais proeminente Eliade (1998) em “Xamanismo: Técnicas do Êxtase”, apesar de nunca ter encontrado um xamã e, portanto, ter dependido de fontes publicadas como informação, afirma que o verdadeiro transe do xamã é o êxtase visionário do voo da alma, ou a viagem xamânica. Neste estado de transe, a alma do xamã realiza uma jornada para o reino do espírito. Eliade observa que a incorporação (personificação) é uma forma degenerada posterior do voo extático, apesar de sua observação de que peste tipo de transe do xamã seja um eficaz fenômeno, universalmente distribuído. O vôo da alma ou do espírito, também é relatado em uma ampla gama de culturas xamânicas.

 

Eliade (1998, p. 87) observa:

“Entre os Ugros, o êxtase xamânico não é bem um transe e sim um ‘estado de inspiração’; o xamã vê e ouve espíritos; é levado para ‘fora de si próprio’ porque está viajando em êxtase por regiões distantes, mas não está inconsciente. Trata-se de um visionário, um inspirado. Contudo, a experiência básica é extática, e o meio principal para obtê-la é, como em outras áreas, a música mágico-religiosa”.

 

Tal como Eliade (1998) observa, o xamã distingue-se dos outros tipos de mágicos e curandeiros pelo uso que faz de um estado de consciência que Mircea Eliade, a exemplo da tradição mística ocidental, chama de “êxtase”. Porém, apenas a prática do êxtase, como ele enfatiza com propriedade, não define o xamã, porque o xamã tem técnicas especificas para o êxtase. Assim, Eliade (1998, p. 50) diz: “Por isso, nem todo extático pode ser considerado um xamã; o xamã se especializa num transe durante o qual sua alma, ao que se crê, deixa o corpo e sobe ao céu ou desce ao submundo.” A isso acrescentamos que, em seu transe, ele costuma trabalhar para curar um paciente restaurando o poder benéfico ou vital, ou extraindo o poder nocivo.

 

Tedlock (2005, p. 79) sobre essas questão diz:

“Segundo Eliade (1998, p. 16-19), a possessão envolve a perda de controle sobre os espíritos, e o xamanismo requer controle, então, a possessão não poderia ser uma parte legítima do Xamanismo. A perda de controle foi subsequentemente descrita como um caráter feminino, um recurso que as mulheres usavam para atrair atenção e obter prestígio social. O antropólogo americano Michael Harner aprimorou as ideias de Eliade durante um transe mediúnico, ou o que agora é denominado de “transe canalizado”, que envolve a perda de controle sobre os espíritos que entram no corpo de alguém”.

Infelizmente a abordagem de Eliade influenciou muitos outros estudiosos que, ao contrário dele, encontraram-se com praticantes. A maioria deles adotaram a concepção de que homens xamãs faziam voos extáticos da alma fora do corpo e que as mulheres médiuns eram possuídas por espíritos humanos. Concluindo assim, equivocadamente, que o xamanismo masculino envolve sair do corpo, e o feminino o de compartilhar o corpo de alguém. Porém a situação é muito mais complexa. Em nossos estudos sabemos que existem tradições em que o voo da alma é considerado uma ação feminina, ao passo que a possessão é vista como masculina. Entre os Rejangs da Sumatra, as mulheres jovens fazem a jornada da alma para o mundo dos espíritos, enquanto os homens jovens são possuídos por espíritos. Já homens e mulheres maduras são capazes de combinar o voo da alma com a possessão do espírito; e após anos de práticas são capazes de mudar de sexo. Em defesa de Eliade, devemos esclarecer que o seu livro foi originalmente publicado em francês, em 1951, quando o movimento psicanalítico, com seu forte viés antifeminista, estava no auge.

A questão não é o tipo de estado de transe, mas o domínio da arte de EXC. O estado de incorporação não é encontrado apenas no xamanismo, nem o voo da alma. No entanto, isso não impede o fato de que eles podem e muitas vezes se relacionam com o xamanismo. Nem todas as possessões são realizações xamânicas, porque a posse por si só não cumpre os critérios para um estado de transe xamânico. Nem todo voo extático é um jornada xamânica, porque entrar em uma viagem não cumpre os critérios para um estado de transe xamânico. Os seres humanos entram em transe, têm profundos sonhos lúcidos, e experimentam outros eventos espontâneos inexplicavelmente. É a sua natureza. Ambos os tipos de estado de transe são comuns no xamanismo.

Em seu trabalho com o LSD em 1970, Stanislav Grof determinou que “ambos são fenômenos espirituais primordiais, pertencente à cultura não em particular, mas para a humanidade como um todo”. Incorporação Animal, mediunidade espiritual, e visões de viagem pelo universo são desenvolvidas espontaneamente durante estados alterados de consciência induzido por LSD. Grof também descobriu que como em EXC, a pessoa em transe permanece lúcida, mantendo controle das visualizações e mantêm a memória da experiência em estado alterado após o retorno à consciência comum. O tipo de transe usado por um xamã é determinado principalmente pelo que ele está tentando realizar através do transe e, secundariamente, pelas expectativas culturais. Qualquer definição abrangente de transe do xamã deve incluir voo da alma e incorporação pelos espíritos aliados.

Além disso, devemos entender que em um ritual de cura xamânica pode existir esses estados de transe separadamente ou coexistirem em vários graus. Transe é um termo amplamente utilizado, muitas vezes com conotação negativa, e imprecisamente definido. No uso geral, transe implica inconsciência e uma incapacidade para dirigir os pensamentos e ações com intenção. Transe pode significar um estado de animação suspensa, em parte ou incapacidade de funcionar, como um torpor ou estupor em que o indivíduo não tem conhecimento do ambiente e é incapaz de responder a estímulos. Em definições mais extremas, muitas vezes esta associado com estados espirituais ou doença mental, transe é definido como um estado hipnótico, cataléptico, ou sonolento, caracterizada pelo contato sensorial e uma incapacidade de manter a memória da experiência do transe depois de voltar a consciência comum. Nenhuma dessas definições de transe se aplica ao xamanismo.

O transe do xamã é um estado intencional de arrebatamento. O xamã deixa sua consciência comum no ambiente físico e foca sua consciência sensorial no ambiente espiritual invisível. O transe do xamã é caracterizado por uma atenção centrada na tarefa com a consciência reduzida de objetos, estímulos, ou o ambiente fora do contexto experiencial do transe. Xamãs usam intenção e disciplina, enquanto no estado de transe para ajustar o tipo e profundidade necessária para a cura e sucesso em sua empreitada. Estudiosos contemporâneos, especialmente aqueles que fazem extenso trabalho de campo com os xamãs, de forma consistente observam xamãs fazendo uso do espírito aliado tanto no voo da alma ou incorporando-os em seu trabalho.

O transe xamânico é uma ferramenta que é variável, podendo ir de um estado de diagnóstico, a um estado de jornada profunda, ou para a plena incorporação pelo espírito. A proporção do EXC varia de acordo com as necessidades da cura. Xamãs tem o controle em todos os tempos sobre a natureza, profundidade e qualidades de seus estados de transe. Na prática, os xamãs frequentemente passam por uma série de estados alternativos ou profundos do transe durante qualquer sessão até que atinjam o nível em que eles operam melhor ou que seja necessário para os diferentes estágios que a cura ocorra. A capacidade de entrar em um estado alterado de consciência é uma habilidade humana. Um estado alterado de consciência é experimentado como qualitativamente diferente do normal para o indivíduo. Consciência, neste contexto, é o padrão total de um indivíduo de pensar e de sentir, em determinado momento. Consciência comum é o dia-a-dia da experiência de um indivíduo independentemente se está acordado, dormindo ou sonhando. Consciência comum serve como a linha de base de um indivíduo. Na consciência não-ordinária, ou estados alterados, a mente processa as informações e registros de experiências de forma diferente. Em estados alterados, funções mentais operam o que não operam normalmente, e as qualidades de percepção são acessados de forma espontânea.

A renomada antropóloga Erika Bourguignon olhou para as práticas de formas culturalmente padronizadas de estados alterados de consciência em todas as partes do mundo. Reunindo estatísticas de 488 sociedades (57% das sociedades representadas no atlas etnográficos), ela determinou que 437, ou 90%, das sociedades tem uma ou mais formas institucionalizadas, culturalmente padronizadas de estados alterados de consciência. A conclusão de Bourguignon foi que a capacidade de entrar em estados alterados de consciência é uma capacidade psicobiológica disponível para os seres humanos em todas as sociedades. A capacidade de experimentar uma gama de estados de transe é um potencial humano básico. Scholar Barbara Lex diz que transe “surge a partir da manipulação de estruturas universais neurofisiológicos do corpo humano e está dentro do comportamento potencial de todos os seres humanos normais”. Os seres humanos são fisiologicamente projetados para entrar uma grande variedade de estados alterados. A capacidade de entrar em estados alterados de consciência nos torna humanos, não xamãs.

Diferentes culturas reconhecem diferentes tipos de consciência. Algumas culturas têm uma consciência altamente refinada de diferentes estados de consciência, ao passo que a consciência da consciência em outras culturas é bastante limitada. Em culturas com uma consciência da consciência, acredita-se que os adultos devem cultivar a capacidade de entrar em estados alterados específicos, a fim de manter a saúde mental. Nas culturas ocidentais contemporâneas, a capacidade de entrar em estados alterados é um sintoma de doença mental. Meditação e yoga são exemplos de disciplinas tradicionais destinadas a produzir estados alterados de consciência específicos. Da mesma forma, existem disciplinas tradicionais utilizadas em culturas xamânicas que são projetados para produzir estados alterados xamânicos específicos. Estes EXC têm qualidades diferentes das que são atingidas através da meditação e yoga. Em EXC, há um nível de conhecimento sobre o meio ambiente não-ordinário, consciência de si mesmo nesse ambiente, a consciência de seres invisíveis e energias, e uma orientação muito elevada de se concentrar na tarefa.

O transe do xamã se distinguem dos outros seres humanos, pela sua capacidade de controlar e usar seus estados de transe. A maioria das pessoas não cultivam o domínio de sua capacidade inata de se conectar com o espírito através de estados alterados. Quando o fazem, eles são muitas vezes incapazes de alcançar os níveis mais altos de mestria, acessível apenas através da iniciação e da disciplina exercida ao longo do tempo. Tal como acontece com canto, dança e pintura, o transe é uma arte expressiva. Somos todos capazes de cantar, dançar e entrar transe. No entanto, alguns de nós são dotados. Xamãs são mestres das artes antigas, as técnicas de êxtase utilizadas para induzir e utilizar os Estados Xamânicos de Consciência. As características essenciais dos EXC são o controle voluntário de entrada e duração do estado alterado, a capacidade de comunicar com os outros durante essa jornada, e ter a memória da experiência após o retorno à consciência comum. Estados Xamânicos de Consciência também são caracterizados por um tipo de autoconsciência que permite o foco na tarefa, relação direta com o mundo invisível, e as relações de trabalho com os espíritos aliados específicos. Quando uma planta psicotrópica é ingerida para induzir transe, há também uma relação de trabalho entre o xamã e o espírito desse vegetal.

Há xamãs, especialmente nas culturas africanas, que alcançam total controle e domínio sobre seus estados de transe, sem qualquer referência às viagens espirituais ou espírito encarnados. Para estes xamãs os poderes de cura são originários de uma energia e magia de dentro do xamã, não dos espíritos. Mesmo nestas culturas, o estado de transe é reconhecido como um estado não-ordinário alterado de consciência. Este estado de transe é necessário a esses xamãs para ativar e utilizar seus poderes de cura, como acontece com todos em outras culturas xamânicas. O elemento comum entre todos os xamãs é o seu domínio no EXC, independentemente da origem percebida da energia não-comum utilizada no estado de transe. Para exibir maestria o xamã deve permanecer no controle do voo da alma ou do espírito incorporado. O xamã deve ser capaz de utilizar o estado de transe para as razões específicas, e de controlar os poderes disponíveis no EXC para realizar a mudança necessária no paciente ou comunidade.

Para o xamã, estados de transe são ferramentas. O tipo de transe usado é determinado principalmente pelo que é necessário fazer para o trabalho. No entanto, há uma variedade de expectativas culturais que podem influenciar os estados de transe do xamã. Por exemplo, os povos siberianos do Nordeste da Ásia espera o domínio de voo da alma de seus xamãs, enquanto os povos do Sudeste Asiático esperam o domínio de estados de personificação (incorporação) do espírito. Mesmo com as expectativas culturais, o transe do xamã é ajustado de acordo com a tarefa. Não é simplesmente um recital de rituais antigos, uma dramatização das expectativas do público, ou um reflexo condicionado. O transe dos xamãs oferece uma oportunidade para a conexão autêntica com o mundo espiritual. É importante para as pessoas a experimentar o contato regular e literal com o Divino. Para muitos na plateia, esse contato em si é a cura.

Os símbolos, espíritos e histórias trazidas no transe do xamã é único e autêntico em cada ritual de cura. Embora um xamã adapte as suas interpretações do mundo invisível para as expectativas da comunidade, essas não definem o que ele encontra no mundo invisível. Não basta o xamã ter visões e entrar em EXC, ele deve ser capaz de interpretar os padrões de energia encontrados no mundo dos espíritos e dar-lhes forma que proporciona a cura eficaz ou serviço para a comunidade. O sistema simbólico utilizado pelo xamã para expressar a experiência de estado de transe é crucial para o contato com o divino a ser traduzido para o público. Os símbolos devem ter significado e poder no contexto da cura, mas eles também devem ser precisos. Os símbolos, espíritos e histórias que emergem do transe do xamã são energia. Eles são padrões coerentes de fluxo energético no grande mar que é o mundo invisível.

O transe do xamã permite que esses padrões de energia possam ser vistos no mundo invisível e interpretado com sutileza e precisão. Este processo é muito parecido com a forma como todas as pessoas aprendem a identificar as formações das coisas no mundo físico. A realidade física também é composta por padrões de energia. A maioria das pessoas conseguem identificar a energia da raiva, ou a energia amorosa de sua mãe. Da mesma forma, os xamãs são treinados para distinguir com precisão as diferenças sutis nos padrões de energia do mundo invisível para um espírito aliado e distingui-lo do espírito que induz doença ou um fantasma vagando por acaso.

Xamãs em transe podem distinguir fluxos de energia do mundo invisível com grande detalhe. Esses padrões energéticos são o que os xamãs chamam espíritos. O transe do xamã é a ferramenta usada para ver os espíritos, ou padrões de energia, sejam eles no mundo físico ou invisível. O transe do xamã é a característica essencial do xamanismo. O trabalho do xamã com os espíritos em EXC define a cura xamânica e curandeiros xamânicos em relação a todos os outros tipos de curadores tradicionais. A experiência do xamã em transe é concebida como real, embora seja num reino não físico. No transe do xamã o mundo invisível do espírito torna-se visível. Os problemas da humanidade podem ser claramente definidos e as soluções para esses problemas podem fluir para nós através do xamã.

Munay,

Wagner Frota (Xamanista e fundador do Círculo Dragão da Terra Vermelha)

 

Bibliografia

ELIADE, Mircea. O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo: Martins Fontes;1998.

HARNER, Michael. O caminho do xamã: Um guia de poder e cura. São Paulo: Cultrix, 1980.

ROUGET, G. Music and trance. Chicago: Chicago University Press, 1985.

SHIROKOGOROFF, S. Psychomental complex of the tungus. Londres: Kegan Paul, 1935.

TEDLOCK, Barbara. A mulher no corpo de xamã. Rio de Janeiro: Racco, 2008.