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Visão Sagrada

 

1. O que é o Xamanismo para você?

Um caminho que segue um princípio natural, de ligação direta com a Terra, os elementos, os minerais, vegetais e animais. Enfim a “Xamaria”, como costumo chamar, é um Caminho mágico-numinosos, árduo e cheio de desprendimento, pois vivemos em função da cura de nós mesmos e da comunidade em que vivemos, incluindo a nossa querida Pachamama, a Mãe Terra.

 

2. Como as práticas xamânicas podem ajudar o ser humano nos dias de hoje?

Auxiliando-os a viverem em total harmonia com a Natureza. Se estiverem equilibrados, poderão tornar-se seres completos e seguirem sua jornada pela Mãe Terra em sua Totalidade, tornando-se um Ser Pleno ou como costumo dizer um Homo Luminus.

 

3. Como as práticas xamânicas chegaram a sua vida?

Quando criança comecei a conversar com uma árvore perto da minha casa e sentir uma alegria dentro do meu Ser.

Essa felicidade se devia ao meu contato com a natureza. Pois através da “árvore amiga”, eu falava com a Mãe Terra, e por ela era nutrido. Eu me sentia único com a natureza. Lentamente fui chamado a trilhar o caminho do Xamanismo, a achar meu lugar neste mundo e descobrir quem sou verdadeiramente.

 

4. O que é doença no contexto xamânico?

Na minha caminhada dentro do Xamanismo aprendi que existem três causas clássicas da doença, e curiosamente, elas não são compostas de bactérias, micróbios e vírus, mas sim dos nossos estados internos. A primeira é a desarmonia. Isto é o que ocorre quando os indivíduos perdem uma ligação importante na vida ou quando são privados do sentimento de pertencer a algo. A desarmonia provoca uma diminuição do nosso poder pessoal que, por sua vez torna-nos vulneráveis à doença.

A segunda causa é o medo. Ele diminui a capacidade de funcionamento de qualquer sistema imunológico. Esta não é, naturalmente, nenhuma grande notícia para os médicos modernos que sabem muito bem que o medo e desarmonia podem se manifestar como doenças reconhecidas pela ciência moderna.

A terceira causa clássica da doença é o fenômeno conhecido como a perda da alma. E aqui encontramos algo curioso, como Jeanne Achterberg escreveu, no artigo “O curador ferido”: “A perda da alma é considerada como o diagnóstico mais grave e a maior causa de doença e de morte prematura pelos povos nativos tradicionais, e não é sequer mencionado em nossos livros de medicina ocidental”.

A perda da alma implica sérios danos ao Ser Interior de uma pessoa. O dano geralmente resulta em uma fragmentação desta essência, as partes de nossa alma podem se separar e muitas vezes se dissociam em consequência de acidentes, choques, doenças, traumas e violências, e não retorna a quem os perdeu. Nas sociedades indígenas a perda da alma ocorre geralmente através da prática de feitiçaria, em que os indivíduos tentam eliminar seus inimigos, atacando-os através do canal psíquico. Em nossa cultura, a perda da alma é mais frequentemente associada ao trauma.

A parte fragmentada da alma se refugia no mundo astral, onde pode estar cristalizada ou perdida, ocasionando um rompimento na psique ou um vazio na alma que continua no corpo. A perda da alma ocorre em resposta aos abusos, como em casos de estupro ou agressão. Pode, também, acontecer como resultado de traição, separação, aborto, acidente, ou até mesmo cirurgia. Aqueles que participaram de guerras voltam, muitas vezes, doentes por terem sofrido com a perda da alma. Infelizmente, a nossa medicina moderna ocidental tem pouco a oferecer-lhes em termos de cura verdadeira, e muitos deles ainda estão traumatizados com o que aconteceu a eles.

Na perspectiva nativa tradicional a doença é vista como uma intrusão, como algo que entra no corpo e não pertence a ele. Isto é verdade se estamos lidando com um vírus, uma flecha ou um pensamento negativo. Mas o ponto principal não é a intrusão. A questão fundamental é a perda de poder ou de uma parte da alma que permitiu a doença entrar e se manifestar, em primeiro lugar. Esse é o problema e este é o campo onde o Curador faz seu melhor trabalho. Neste caso, o Xamã terá que realizar o Resgate de Alma, que é uma técnica xamânica para a integração da personalidade.

 

5. O que é doença para você?

Tanto a doença quanto a cura são questões espirituais. A cura dentro do xamanismo visa nutrir, preservar e protegê-la de vagar eternamente.

Para mim a doença é uma grande mestra. Ela nos dá sinal quando algo não funciona bem em nossa vida. Um homem pleno é um homem são. Quando sua energia, emoções, mente etc. não estão bem, vem a desordem no corpo e consequentemente a enfermidade. Existe uma lei que rege todo este equilíbrio na natureza e em todo Cosmo, que se baseia no equilíbrio da ordem com o caos

 

6. Existem relações entre as práticas xamânicas e terapia?

Sim! Ambas visam buscar a cura do indivíduo em diversos níveis.

6.1 Qual a sua opinião sobre o assunto?

Tenho visto e que cada dia mais surgem novos terapeutas com praticas xamânicas, druídicas, entre outras mais. Basta abrirmos qualquer jornal ou revista de terapia alternativa para encontrarmos cada dia mais um número maior de terapeutas que estão surgindo. Acredito que há espaço para todos, mas gostaria que todos passassem a procurar identificar entre eles, aquele que realmente são terapeutas e não picaretas. Desculpe-me a palavra, mas não encontro outra para definir as pessoas que usam a ingenuidade de pacientes, que na sua maioria são leigos e não conhecem o terreno que estão entrando e pedindo ajuda. Muitos caem nas mãos de pessoas sérias que passaram anos estudando as técnicas que utilizam para curar e auxiliar aqueles que vem lhe pedir socorro. Mas cada dia mais, um grupo de pessoas, vai parar em mãos erradas que só querem enganar os seus pacientes, arrancando-lhe dinheiro com sessões semanais, quando não diárias.

Nós que trabalhamos como Terapeutas Holísticos ou Alternativos, constantemente estamos expostos a opiniões e julgamentos de outras correntes, que nos dão os adjetivos de loucos, falsos profetas, picaretas, entre tantos outros adjetivos. E essas pessoas que não estudaram devidamente o Caminho terapêutico que estão exercendo, não ajudam em nada a eliminarmos esses adjetivos do qual somos tachados.

Gostaria de lembrar a todos que não é porque alguém fez um workshop de Xamanismo que passou a ser um Xamã. Não existe um curso “Torne-se um Xamã”. Se alguém fez algum curso desse, eu lamento dizer, mas essa pessoa foi enganada e provavelmente jogou dinheiro fora.

O xamanismo é um caminho, que para ser bem compreendido tem ser trilhado durante anos. Existe uma grande diferença entre estudar o caminho, conhecer um caminho e trilhar o caminho. No Caminho que percorro, costumo sempre procurar ver, sentir os sinais e ouvir os animais, as árvores e as pedras, antes de começar a trabalhar com uma pessoa no Caminho Sagrado. Afinal, esse é um caminho árduo e cheio de desprendimento, pois vivemos em função da cura de nós mesmos e da comunidade em que vivemos, e só aqueles que têm o coração puro e uma grande força de vontade pode realmente trilhar esse caminho.

Como vocês podem ver, o Caminho da “Xamaria” não é para qualquer um.

Peço a você que estão lendo esse texto, que fiquem de olhos abertos com os “Falsos Mensageiros” que se aproveitam do estado de espírito de pessoas que na maioria das vezes encontram-se em estado de aflição, a procura de palavras amigas e de um tratamento sério de purificação, alinhamento dos chackras, de um resgate de alma ou de seu animal de poder. Não cabe a nós julgarmos ninguém, seria sempre bom primeiro nos olharmos nos espelhos antes de qualquer julgamento, mas lembrem-se, que através de nossos atos, podemos ensinar muito a outras pessoas.

Vale a pena lembrar aos xamãs e bruxos que transmitem os ensinamentos e conhecimentos que aprenderam através de muito estudo durante anos. Que partilhem esses conhecimentos somente com aquelas pessoas que se apresentarem com impecáveis intenções e pureza de objetivos. Quando falo em partilhar eu também quero dizer, que não devemos iniciar todos aqueles que nos procuram. A Iniciação se dá no momento certo, eu sempre tenho o costume de dizer que o próprio “aprendiz” se auto-inicia, pois esta é uma Jornada Interior. Devemos observar esses aprendizes, e só depois de termos certeza de seus propósitos, façamos a cerimônia de Iniciação auxiliando-os a despertarem uma visão, que possibilitem a eles descobrir o divino que há em nós e, com isso, restabelecer nossa conexão com a natureza e com o mistério do cosmo, adquirindo capacidade e sabedoria para utilizá-los.

Geralmente pelo que eu pude observar nesses anos de estudo no Caminho Sagrado, poucos conseguem ir além da jornada de iniciação. Líderes Espirituais verdadeiros são raros. E raros também são as pessoas de conhecimentos, no meu caso, eu posso contar nos dedos das duas mãos essas pessoas. Não quero dizer que não existam mais do que cinco Líderes Espirituais, mas nesses anos de estrada só conheço esse número. Muitos dos que trilharam essa estrada pararam no meio do caminho, e ficaram satisfeitos em se tornar curadores. Converteram-se em mestres do seu próprio caminho. E há aqueles que são seduzidos pelo poder. Começam a cair sob o fascínio de seu próprio poder, seduzido por sua própria pessoa. Perdem-se durante o trajeto. E a jornada pode durar pelo resto de suas vidas.

 

7. Qual o conselho daria as pessoas que estão começando seus estudos e práticas xamânicas?

O principal conselho é de que devemos lembrar que o xamã é um curador que conhece os efeitos de uma dor, daí ele necessitar experienciar algumas dores. Ele precisa compreender as vicissitudes da vida. Compreender a importância de se amar, de se cuidar, de se respeitar, de se curar. Através do conhecimento do poder da dor em seu coração, pode auxiliar o outro na cura de sua própria dor. E ao sentir essa dor ele demonstra também um sinal de humildade ao mostrar que ninguém é perfeito.

 

8. Quais as ferramentas xamânicas têm utilizado no processo de cura?

Basicamente utilizo a extração de energia intrusa, irradiação xamânica e resgate de fragmentos da alma.

 

9. Em sua opinião o que motivou a grande procura por práticas consideradas ancestrais, tão presentes nas grandes cidades?

Com o advento da Revolução Industrial e, um pouco antes, no século 16, com a fundação das igrejas, das empresas e do expansionismo “branco”, quando culturas nativas foram massacradas, a humanidade distanciou-se da natureza, criando um mundo onde há poluição, violência e desequilíbrios. Vendo a terra apenas como fonte de rendimento e os minerais, vegetais e animais como meios para servir seus interesses, o homem cortou os laços que o ligavam à Mãe Terra, tornando-se solitário, desvitalizado, desencantado e desequilibrado. É, provavelmente, devido à perda desse sentido arcaico de ligação estreita com o universo primitivo interno, que o homem contemporâneo desrespeita a natureza, levando à catástrofe ecológica tanto externa quanto interna.

Todavia, milhares de pessoas procuram resgatar esse elo perdido com a Mãe Terra, restabelecendo seu próprio equilíbrio. Estas práticas xamânicas estão retornando hoje como autêntica força viva, em meios sofisticados como o das terapias alternativas contemporâneas. Tal penetração deve-se também ao interesse que o assunto despertou em estudiosos de outras áreas, como é caso da antropologia, da etnologia, da história das religiões.

As ações do xamã, à primeira vista, parecem incompatíveis com a visão do mundo geralmente aceita pela sociedade como um todo. O pensamento xamânico está em conflito com os modelos “racionais” e mecanicistas da causa e efeito que operam na corrente principal da ciência. Todavia, certas ciências parecem perfeitamente abertas a ideias não convencionais nas suas fronteiras, e privadamente muitas pessoas desejam acreditar em “espíritos”. O Xamanismo oferece uma visão do mundo em que os homens usam o meio ambiente por um compromisso precário e ganho com custo, ao preço de atenção e respeito constantes e não através do seu poder.

Num mundo em que a maior parte dos indivíduos se despersonaliza cada vez mais, um relance pela sociedade xamânica apresenta uma visão de relações baseadas na intimidade de comunidades de pequena escala, em via de desaparecimento rápido. O movimento neo-xamânico nas grandes cidades terá de trabalhar contra este pano de fundo, e resta saber se as ideias xamânicas serão capazes de servir às necessidades dos homens de hoje, numa sociedade cada vez mais fragmentária e sem raízes.

 

10. O que você entende por “alma”, “espírito” e “energia”?

Todas as três são “coisas” abstratas e difíceis de serem definidas, mas irei tentar defini-las conforme aprendi com os Mestres Xamãs Andinos.

Espírito é a essência inteligente, invisível e incriada, que anima todas as formas de vida. Relacionando com a física poderíamos dizer que são elétrons que não tem forma, são pura luz. Eles nascem do Q’osqo, plexo solar, do Gran Spíritu (Pachacamaq ou Wiracocha). Sua principal função no xamanismo andino é a de fazer com que tudo que se tornou denso retorne à luz pura.

A Alma é uma energia sutil divina que existe nos humanos, e que chamamos nos Andes de ánimu. Quando uma criança nasce esta energia sutil cósmica entra no topo da cabeça e aquece o sangue da criança dando-lhe a vida. Quando morremos, o ánimu sai pelo topo da nossa cabeça e une-se à tecelagem cósmica que está unida a tudo no Universo. Em outras palavras ela é o veículo denso mais próximo que tem o Espírito. Seu corpo é formado pelo que conhecemos pelo de nome de chacras ou ñawis, como é chamado nos Andes, e que permite ao Espírito se conectar com a matéria.

Os xamãs andinos, Paq’os, acreditam que quando as pessoas morrem, uma parte de sua Alma (a mudança) retorna à Terra, para ser reabsorvido na natureza e se tornar um com toda a vida. Outra parte (o seu poder e sabedoria) retorna para as montanhas sagradas, e uma terceira parte (o imutável) retorna ao Céu.

Os Paq’os consideram a energia como Hoocha (densa) ou Sami (refinada), e os xamãs têm como tarefa primária aprender a transmutar as energias pesadas e refiná-las para ter total controle do Q’osqo. Quando os Paq´os executam o Miqhuy, que significa “comer a energia intrusa”, eles limpam o corpo de energia do paciente e doam a energia pesada para Pachamama que a digere. Reciprocamente, Paq´os usam o Q’osqo para tirar a energia refinada da natureza ou do Hanan Pacha (Mundo Superior); eles são treinados para manter a ecologia do ambiente, dirigindo a energia Sami onde é necessária.

 

11. O que é um totem? Qual a importância dos animais de poder? Pode compartilhar uma experiência pessoal trabalhando com esta força aliada?

Aqui entramos num terreno muito fértil para a mente humana. Geralmente todos os que começam a trilhar o Caminho do Xamanismo tem a certeza de que deve em primeiro lugar encontrar o seu Animal de Poder para começar a “xamanizar”. Aprendi logo em meus primeiro passos que antes de “encontrar” o meu animal, eu deveria primeiro achar a minha Kuya (Pedra de Poder), para que com ela pudesse encontrar o meu ponto de equilíbrio. Depois, antes de “encontrar” meu Animal de Poder, eu teria que conhecer a minha Planta Mestra que me ensinaria a ter raízes, me religando a Mãe Terra e receber dela o aprendizado necessário, para só aí ficar frente a frente com o meu Animal de Poder, que viria a mim sem eu procurá-lo. Entre nós, como também outros seres de outros reinos, tem sempre que haver uma troca… e o mesmo acontece quando conhecemos nosso Animal de Poder. Há aqui, uma simbiose, no qual ele se manifesta em nosso reino e nós no dele. Devo lembrar que com todo Poder, existe também um grau de responsabilidade e comprometimento com estes seres. Voltando a pergunta, para mim o Animal de Poder é uma bateria de força para o Xamã, e vice-versa.

 

12. Fale sobre os ritos de passagem.

Na tradição Andina cada iniciação dura semanas e até meses, no qual caminhamos pelas altas montanhas e vamos a locais sagrados. Em cada nível participamos de rituais para que nos conectemos com Pachamama e os espíritos dos Apus, Montanhas Sagradas. No início temos que passar noites nas montanhas, tendo somente o céu sobre nós e meditando com o Cosmo. Temos que tomar banho em lagoas muito frias nos Apus para nos purificar. Assim, as salas de aula dos Paq´os são as montanhas, as lagoas e toda a natureza. Esse é o templo onde as pessoas conhecem as suas vocações. Há muitos testes duríssimos e cheios de sofrimento. Estes são testes de fogo, que servem para determinar as aptidões físicas, a preparação dos seus corações, suas habilidades para serem compassivos, amar e venerar o conhecimento. O caminho é árduo. Às vezes a pessoa se sente caminhando sobre a lâmina de uma espada.

 

13. Deixe sua mensagem aos leitores deste site:

O xamanismo é uma responsabilidade espiritual e estética de todos nós. O mundo foi desenvolvido com abuso e exagero. O mundo tecnológico alcançou um nível incrível, bonito, mas produziu exageradamente um desequilíbrio na Mãe Terra, devido à ganância do homem. O grande corpo da natureza constantemente demonstra a reciprocidade dos idiomas do universo e dos espíritos. Esta reciprocidade, especialmente no campo de energia, cria uma harmonia que pode equilibrar a energia coletiva do planeta dentro de uma matriz antiga da ordem universal. Os idiomas formal e cultural criam limites. A essência principal da vida é a natureza e o idioma é o Amor.

Gostaria de lembrar a todos uma pequena frase, mais profundamente verdadeira dentro dos Caminhos da Magia: “A semeadura não é obrigatória, mas certamente iremos realizar a colheita.” Então irmãos e irmãs tenhamos muito cuidado, pois da mesma maneira que recebemos o poder, ele nos pode ser tirado. Como vocês podem ver existem muitas trilhas pelo Caminho, cabe a nós escolhermos o qual devemos seguir. Nós que trabalhamos com as Rodas da Medicina dos povos nativos, aprendemos a nos desprender de nosso passado, a enfrentamos nossos medos, a termos auto-controle, a nos harmonizarmos interiormente, a aceitarmos a dádiva da visão e a tarefa de melhor exercitá-la, a fim de criar um mundo ecologicamente melhor, e, individualmente sonhar com as possibilidades futuras de cura de Nós e da Mãe Terra.

Munay,

Wagner Frota

Obs.: Entrevista originária do livro “Práticas Bioxamânicas”, org. Samuel Souza de Paula.