Dentre as Plantas Mestras, existe uma de grande importância pertencente ao gênero das Brugmansia, que são originárias da América do Sul, particularmente dos Andes, onde são conhecidas como Mishas. Espalhada pelas Américas, no México é conhecida como Floripondio, classificadas pelos cientista como Brugmansia arborea (Datura arborea); B. aurea; B. candida (Datura candida), B. insignis, B. sanguinea, B. suaveolens, B. versicolor e B. vulcaniola. Estas espécies costumam ser incluídas por alguns cientista no gênero aparentado Datura (Trombeta, devido suas belas flores serem em forma de trombeta), como Datura brugmansia; Datura candida ou Datura arborea.ico.
Os xamãs as utilizam para obter visões para fins terapêuticos e divinatórios. Algumas delas se misturavam utilizando diversas receitas, para obter ungüentos que se aplicavam sobre a pele para ter visões. Sendo utilizadas também em magias com fins negativos.
Uma das mais conhecida é a Dama da Noite, a Brugmansia Candida, um arbusto de 2 m de altura. Suas flores são brancas. Durante o dia, suas flores não tem cheiro, mas a noite passam a ter uma fragrância penetrante e de agradável odor.
Fora dos Andes, essas plantas também são utilizadas na Selva Amazônica, principalmente pelos Jívaros. Harner, em suas pesquisas junto a essa tribo, disse que os jovens depois de passarem dias isolados na selva e após serem banhados ritualmente nas cascatas sagradas, eles passam dias dentro de uma cabana só e em total jejum alimentar. Após este retiro, os jovens se preparam para o “Sonho da Juventude”, tomando um preparado de folhas de tabaco maceradas em água. Quando o efeito do tabaco não é suficiente, eles tomam um suco de Maikua (Brugmansia Suaveolens) macerada em água. Muitos xamãs amazônicos usam-nas ainda como aditivo na Ayahuasca, também para propósitos divinatórios.
Segundo as lendas Inkas, as Brugmansia também eram chamadas de “huaca” (sagrado), exatamente pelo seu poder e por ser a morada de um espírito. O nome Misha compreende todas as espécies de Brugmansia, sendo derivada do Quechuá. Seu nome anterior era Wantuq ou Wanduk. Vem do verbo “wantu” que quer dizer “levantar” em Quechuá, então “wanduk” quer dizer “aquele que se levanta”.
Geralmente as Mishas são empregadas para os seguintes fins:
1. Terapêuticos/Adivinhatórios, usados conjuntamente com o San Pedro por especialistas chamados “Rastreadores”;
2. Fitoterápicos, aplicação de suas folhas em deslocamentos e quebra de membros;
3. Iniciáticos, ministrados o suco puro de Mishas de alto poder e selvagens, em cerimônias especiais reservadas unicamente a xamãs e a pessoas rigorosamente escolhidas;
4. Raramente as Mishas são ministradas a pacientes pela boca ou de uma outra forma que pode ser tóxica, deve haver um alto controle de sua dosagem para que não mate aquele que a ingerir;
5. Nas magias negativas, são usadas para causar “daño por boca”, no qual a dosagem é calculada para causar a loucura permanente;
6. Na magia amorosa, seu suco é misturado na bebida para a vítima ficar apaixonada;
7. Para proteção da residência, elas são consideradas “guardiães” ou protetoras dos lugares. Geralmente em certas regiões, oferece-se sangue de animal para a Misha como agradecimento.
As Brugmansia contêm uma alta porcentagem de alcalóides: 0.3 – 0,55% do peso seco. O alcalóide principal é a Escopolamina (Hioscina) 30 – 60% entre outros alcalóides como: Nor-escopolamina, Atropina, Meteloidina e Hiosciamina. Essas substâncias são altamente perigosas, seu uso deve ser muito cauteloso, não sendo aconselhável à aventureiros desinformados e despreparados, como já falei anteriormente, pois elas podem causar a loucura permanente, o coma e até a morte.
A atropina que pode tanto estar nas raízes, troncos, folhas, flores e frutos, tem a função de ser antiespasmo, antiasmática, midriática (dilatadora da pupila) e analgésica (utilizada externamente). Em sua maioria sedam o Sistema Nervoso Central, por isso seu uso é recomendado somente a xamãs que são conhecedores do seu conhecimento.
Existe uma série de preparos para cada tipo de emprego terapêutico e ritualístico da Misha, no qual aquele que a manuseia tem que saber como: dosá-la, como ingerir, aplicá-la no corpo, respeitar o jejum ritualístico, fazer um antídoto e principalmente como colhe-la. No meu modo de ver, temos que ter muito cuidado ao utilizá-la e devemos sempre ter por perto (ao alcance das mãos) um antídoto conhecido por “Arranque”, que tive a felicidade de aprender com Dona Julia Calderon quando ela realizou um limpeza no meu Ser em Pisac.
Nos Andes cada espécie de Mishas recebem um nome específico: Misha Galga (Brugmansia x arborea), Misha Colombo (B. suaveolens), Misha Curandera (B. candida), Misha León (B. arborea), Misha Rastrera (B. x arborea), Misha Toro (B. sanguinea) e Misha del Inga (B. versicolor).
O espírito da Misha se manifesta geralmente como um cão de caça (Brugmansia x arborea), uma serpente que transforma-se a meia-noite numa pomba (B. suaveolens), num puma (B. arborea) ou numa serpente venenosa (B. candida).
Geralmente elas são cultivadas em hortas especiais distantes de onde se planta os alimentos. Elas têm um poder altamente tóxico, poder atribuído ao caráter arisco do seu espírito. São plantadas também próximas a cemitérios e acredita-se que ficar perto delas tirando uma soneca pode causar esquecimento.
Após utilizar certo tipo de Misha, como a Inga (B. versicolor), é necessário ficar sem ver qualquer tipo de luz durante o período de 24 horas, no mais absoluto silêncio e sozinho.
As Daturas são empregadas a séculos nas Américas. Entre os Astecas, a Datura era usada pelo sacerdote, conforme podemos verificar no Códice Baldiano pelo nome de Tolohuaxihuitl, chamado também de Toloatzin.
Entre os Huicholes do México, o personagem do Mito, Kieri, cuja relação com o Sol é muito estreita, é um bruxo que encanta os caminhantes com a música de sua rabeca. Aqueles que ficam fascinados com sua música, recebem de Kiere flores, folhas e raízes. Aqueles que aceitam o presente, por sua vez dormem e morrem. Os Huicholes oferecem ao espírito vegetal de Kiere flechas ritualísticas e queimam velas em sua honra para exorcizar seus terríveis poderes. O mito da origem Huichol, conta que o bruxo Kieri foi vencido numa luta por Kauyumarie e transpassado por suas flechas mágicas. Kauyumarie, contando com a ajuda de “el Ikuri”, o Peyote, se apoderou dos poderes de Kieri. A planta associada ao mito de Kieri é a datura inoxia.
As Daturas, por suas características químicas são muito mais perigosas que o Peyote pois a concentração de alcalóides das Datura e Brugmansia variam de acordo com fatores climáticos e ecológicos no solo na mesma espécie, e em distintas partes da mesma planta.
Dentro do xamanismo, elas são consideradas portais entre os mundo, e as experiências com os espíritos ancestrais está ligada a estas plantas. Estão intimamente ligadas ao vôo xamânico, representado pela águia, com o sonhar e com a experiência de aproximar-se da morte para poder compreende-la. Seus espíritos são neste caso representados pelos guardiães dos mortos, em algumas culturas representado pela Coruja, o Corvo, o Jaguar e o Morcego. Como outras Plantas Mestras, elas são plantadas como protetoras de casas, fazendas e espaços comunitários.
Deve-se ter muito cuidado ao usá-la, principalmente ao manusear a Datura Trombeta, conhecida com Erva do Diabo, tendo ao seu lado um xamã com larga experiência no feitio e com capacidade de resolver eventuais problemas que possam ocorrer.
Os Shawnees, usavam a Datura nos ritos de iniciação dos seus jovens. A planta era chamada de Wysoccan e era ministrada aos jovens depois de um período de retiro que abrangia cinco dias nos bosques, seguindo uma dieta alimentar especial dada pelo xamã da tribo. A experiência psicotrópica propiciada pela intoxicação da Datura produzia nos iniciados uma autentica experiência de morte e renascimento que incluía o esquecimento do seu idioma natal e a aprendizagem do mesmo, a ruptura dos vínculos familiares e a cessação de todas as atividades normalmente realizadas até o momento da iniciação.
Entre os indígenas da Califórnia nos ritos de iniciação se usava o Toloache, a Datura. Em sua tradição, o Toloache só poderia ser tomado uma vez na vida e se utilizava o sumo de suas raízes misturada com água. As vezes os iniciados faleciam no decorrer das provas iniciáticas. Os efeitos da intoxicação duravam até 3 dias. Nesse período o iniciado obtinha a visão de um espírito animal, que lhe ensinava um canto que ele não devia revelar a ninguém. Por sua vez o xamã dos Cahuillas da Califórnia, por meio da Datura, “voava” até o mundo dos espíritos e dos mortos, e podia transformar-se em puma ou águia.
Wagner Frota