Mahimbo mascava o seu tabaco olhando o fogo que ardia sob a cabaça cheia de caldo de caiman. Encontrava-se sentado sobre sua esteira, imóvel, com o olhar fixo. Não conseguia afugentar da memória aquela visão estranha que o tinha assustado tanto durante o seu sono. Nem mesmo viu sua mulher e as filhas voltarem da floresta, com os braços carregados de frutos e de bagas, os colares de sementes a tilintar sobre seus peitos como centenas de pequenos guizos.
Comeu distraidamente a sopa de jacaré e levantou-se sem dizer uma palavra e dirigiu-se para floresta. Gostava muito de se meter por aquela pequena trilha que o levava junto à floresta junto a serra. Aí, sentava-se sobre um tronco de árvore morta e escutava o canto dos pássaros da floresta, contemplando a crista da serra. Porém dessa vez ele havia saído da trilha, e se perdido naquele dia. Tinha chegado a uma clareira perto de uma aldeia cujos os habitantes ele não conhecia. Os seus penteados eram diferentes, as pinturas dos seus rostos eram estranhas. Não sabia se seria bem recepcionado, ficou, pois, escondido atrás de uma árvore a noite toda. O que ele viu não o tranqüilizou, depois de ter jantado e bebido muita chicha, os índios tinham dançado e cantado no centro da aldeia, como para celebrar um de seus deuses. Subitamente um enorme Jaguar, inteiramente preto, avançou sobre eles, agachou-se e, bocejando preguiçosamente, pôs-se a olhar a sua volta como se esperasse alguma coisa ou alguém. Estava perfeitamente calmo. Os índios dançavam a volta dele, paravam, cumprimentavam-no pronunciando encantações e recomeçavam a sua dança ritual. De repente, um ser horrível, nem homem nem animal, chegou. Era impossível dizer se era um macaco que andava, falava e se conduzia como homem, ou inteiramente um homem peludo e cujo as mãos e pés pareciam patas de animal. Era, contudo, ele que o Jaguar esperava. O Homem-Macaco aproximou-se do Jaguar e soltou um grito lúgubre que fez tremer Mahimbo. Parecia vir do fundo da terra, e ressoava por toda a floresta. Contudo as pessoas daquela tribo não mostravam qualquer pavor. Quem era? Um Deus? Um Espírito? E aquele Jaguar todo preto de que ele ouvira falar quando pequeno através do Contador de História da Tribo, e que semeava terror por todo vale? Os Anciãos diziam que matava por prazer, para se divertir, e que era impossível fugir dele, porque paralisava as suas vítimas apenas olhando para elas com seus olhos azuis, gelados, como o cume da Montanha Sagrada. Como podia ficar tão calmo no meio de toda aquela gente? O medo que Mahimbo sentia desapareceu pouco a pouco e, como a noite estava a ponto de cair, pensou que os perigos da floresta seriam bem maiores se dormisse só ao relento e decidiu sair do seu esconderijo.
Foi muito bem recebido. Aquela tribo parecia pacífica. Teve apenas de explicar de onde vinha e porque estava ali. Depois, os índios deram-lhe uma cuia e serviram um líquido cinzento muito forte e ligeiramente amargo, e logo depois deram-lhe frutas. Achou tudo maravilhoso. Quando os índios lhe designaram um lugar para dormir, não agüentando mais, disse ao chefe:
– Agradeço por tudo. Recebeste-me sem me conhecer, como se fosse um amigo. Perdoa-me se te pedir ainda alguma coisa?
– Adivinho o que te perturba. – Respondeu-lhe o Chefe. – Observei-te durante toda a noite, olhava constantemente o Homem-Macaco e o Jaguar Preto dos olhos azuis. Não te farão nada, mas não te aproximes. O Jaguar é sagrado e o Homem-Macaco é amigo dele. Ai daquele que lhes fizer mal.
Mahimbo adormeceu com dificuldade, pois estava intrigado com o que tinha visto. Teve sonhos estranhos a noite toda e, de manhã quando acordou não sabia a onde estava.
A silhueta negra que ondulava a beira do atalho fê-lo estremecer. No mesmo momento, uma grande mão peluda pousou sobre seu ombro. Voltou-se e viu o Home-Maca atrás dele. Parecia ter passado a noite toda ao seu lado. Mahimbo examinou longamente aquele se bizarro cujo olhar tão doce parecia querer dizer: – Sou teu amigo. Nada receies. – Tinha um ar tão triste que Mahimbo teve pena dele. O chefe da tribo apareceu e disse a Mahimbo.
-Pode falar com ele. Compreende tudo, mas não se pode expressar como um de nós. Um dia chegou a aldeia, tal como você ontem a noite, e nunca mais tornou a partir. Aprendeu muito depressa os nossos costumes e, quando partimos para caçar na floresta, vigia a aldeia e embala os nossos filhos. Até mesmo o Jaguar tornou-se seu amigo.
Mahimbo ficou perplexo. Se alguém lhe tivesse contado aquela história, não teria certamente acreditado nela. Contudo não sonhava. Tudo aquilo era bem verdade.
Levantou-se, soltou de penas e sementes que tinha em volta do pescoço e deu-o ao chefe. Depois, apanhou sua zarabatana, o seu arco e suas flechas e saiu lentamente. Tinha o olhar fixo naquele poste junto do qual estava sentado o Jaguar. Trocaram um olhar glacial, depois Mahimbo fez um grande gesto de adeus aos seus novos amigos e desapareceu.
Tinha atravessado a clareira e contornado o rio que o conduziria a sua aldeia. Agora descia uma vertente que ia leva-lo aquela floresta escura em que tinha se perdido na trilha e parado na aldeia do Jaguar. Devia atingi-la antes que o Sol começasse a descer no céu, porque corria o risco de se perder mais uma vez se à noite o surpreendesse antes de ter atravessado. Apressou o passo, mas a descida era muito difícil. Escorregava com freqüência. Era preciso ser prudente. Caso se ferisse, ninguém teria a idéia de procura-lo naquele lugar. Subitamente, ouviu um barulho atrás dele, como se alguém o seguisse. Parou um instante e viu o Homem-Macaco que chegava a grande passadas. Mahimbo, primeiro, teve medo, mas em breve foi tranqüilizado pelo olhar daquele ser bizarro. Daquela vez parecia sorrir-lhe. Caminharam muito tempo lado a lado. Chegaram abaixo da vertente, atravessaram a floresta e, quando Mahimbo reconheceu o rio que iria conduzi-los à sua aldeia, decidiu parar e acampar naquele lugar. O Homem-Macaco comeu com ele os frutos que tinham apanhado no caminho, depois foram dormir.
De repente, duas pequeninas luzes azuis brilharam na noite. Era o Jaguar que tinha vindo ter com eles. Mahimbo teve muito medo, mas o Jaguar não parecia interessar-se por ele. Contornou-o e dirigiu-se ao Homem-Macaco. Deu-lhe patadas nas costa como que para o obrigar a levantar-se. O Homem-Macaco adivinhava que o Jaguar queria leva-lo de volta para a aldeia no alto da serra, mas fazia de conta que não compreendia. Tinha escolhido seu novo amigo. Vendo a cena que se desenrolava, Mahimbo levantou-se de um salto, tomou o seu arco e uma flecha, atirou e atingiu o Jaguar em pleno coração.
Uma cena bastante estranha se desenrolou então. Em vez de ficar contente por ter sido salvo, o Homem-Macaco pôs-se a chorar. E pouco a pouco, o seu choro transformou-se em rugidos e, como se, bruscamente, tivesse tornado a ser um animal selvagem, soltou um grito terrível, batendo no peito com os punhos fechados e foi para cima de Mahimbo. Agarrou-o com suas mãos e atirou-o no rio onde se agitavam centenas de piranhas, como se aquele gesto lhe tivesse “ordenado”. O Jaguar Sagrado estava vingado, a tribo da Serra Parima não seria amaldiçoada, mas a que preço! Tornando a partir para a montanha, o Homem-Macaco perguntava a si próprio porque se sentia mal cada vez que pensava em Mahimbo