Dar nome às coisas sempre foi um ato de poder. Mas talvez as pessoas tenham exagerado um pouco, com o passar dos anos, e o nome passou a ser mais poderoso do que a coisa em si. Chegamos, então, a um tempo em que os rótulos e as definições ganham a atenção das pessoas como as práticas não conseguem mais. As teorias ganham horas e horas de debate acalorado ao invés de serem colocadas para funcionar em uma realidade concreta. E isso não é diferente em setores tão abstratos e subjetivos quanto os que envolvem qualquer tipo de magia.
Existem muitos caminhos mágicos e todos sabemos disso. Existem diversos nomes para diferentes tradições, escolas, ordens e suas respectivas crenças e rituais. Mas poucas coisas mostram-se tão inúteis e tolas quanto as discussões sobre qual o melhor caminho mágico a seguir, qual o mais poderoso, qual o “mais verdadeiro”. O mais irônico talvez seja o fato de que muitos falam sobre tantos conceitos sem ao menos viver a prática. Ou pior ainda, associam esta tal prática a rituais “burocráticos” ou pomposos gestuais, quando a vida cotidiana parece uma sucessão de fatos enfadonhos e infelizes. Afinal, quem tem o poder?
Sempre que falamos de Xamanismo, palavra que parece um enorme balaio de gatos de diversas raças e matizes, devemos compreender prática e não teoria. Devemos compreender o sentir e não o racionalizar. Devemos associar a esse conceito algo muito mais amplo do que rituais esporádicos, estudos isolados, vivências de final de semana. E, em especial, devemos desconfiar de fórmulas generalizadas, semi-prontas, fast-food e que se definem como indicadas para todos, indiscriminadamente.
No entanto, lamentavelmente, é comum observar defensores da bandeira do Xamanismo (como se ele tivesse bandeira e precisasse ser defendido) que chegam cheios de nomeclaturas de poder, definições rígidas, conceitos fechados e discursos racionais que nada têm a ver com os princípios de quem decidiu seguir esse caminho. No final das contas, vemos em cada esquina uma nova geração de peregrinos sem bússola e bruxos proselitistas, para não dizer coisa pior.
Talvez tenha chegado a hora de todos sermos mais honestos. Não faz mais sentido alguém declarar-se um praticante de Xamanismo se ainda vive preso a uma longa lista de convenções sociais, se consome compulsivamente tudo que o dinheiro pode comprar, se não separa seu lixo, se continua fazendo do próprio corpo uma lixeira (alimentando-se de todas as porcarias que a indústria alimentícia moderna joga no mercado), se acredita que algum mestre pode apresentar soluções prontas para os seus problemas e, principalmente, se resolveu se embrenhar nesse caminho para ficar mais poderoso.
Quando faço essa afirmação não estou querendo ter a autoridade de excluir pessoas de um determinado caminho, estou simplesmente mostrando que existe um abismo de incoerência entre um determinado modo de vida, um tipo de comportamento, e a proposta de caminho mágico-espiritual que se deseja seguir. No entanto, o que parece tão óbvio para mim e mais algumas pessoas, parece não fazer o menor sentido para outras…
É claro que o rótulo facilita muita coisa… Quando alguém pergunta qual a sua religião e você pode responder “católico” ou “budista”, você não precisa dizer mais nada. Aliás, creio, você não precisa nem ao menos fazer algo de especial ou ter uma determinada conduta porque você já foi classificado, carimbado, rotulado. Mas quando não temos uma definição assim tão clara, percebemos que os atos, a prática diária, a conduta de vida tornam-se mais importantes do que qualquer discurso, por mais hermético que seja.
Talvez você goste do termo Xamanismo, talvez prefira outro, mas se estamos falando da mesma coisa estamos nos referindo a uma forma de viver e não a um conjunto de crenças. Não estamos falando de filosofia, estamos falando de prática. E não estamos dispostos a perder tempo discutindo teses, mas temos o firme propósito de utilizar a nossa energia da forma mais sábia possível. Talvez essa visão consiga definir as coisas da seguinte maneira: você pode usar a nomeclatura que bem entender para definir o caminho mágico-espiritual que segue, mas são seus atos mais concretos que vão comprovar se você percorre, de fato, esse caminho.
Cláudia Mello Gonçalves
Jornalista, taróloga e artesã, mas já chegou a conclusão que pode ser qualquer coisa, dependendo do ponto de vista e do ponto de encaixe. http://viatarot.blogspot.com